Prisioneiros do verbo crescer / Cristovam Buarque
Os economistas preferem o verbo crescer; os poetas, florescer.
Os políticos escolheram os economistas, e por décadas tiveram sucesso.
Nossas cidades cresceram em população, número de prédios, shoppings, viadutos, mas também em criminalidade, miséria, crianças nas ruas e prostituição infantil. As cidades cresceram, mas não floresceram.
Nossa indústria cresceu e nos transformou em potência econômica, encheu ruas de automóveis e lojas de produtos made in Brazil, construiu hidrelétricas, centrais nucleares, aeroportos e rodovias. Mas por décadas enfrentamos uma infla??o galopante e a troca regular da moeda, tornamo-nos campeões de endividamento, concentração da renda e desmatamento. O desemprego se mantém, a taxa de juros é a mais alta do mundo, 70% da população continua pobre. A indústria cresceu, mas não floresceu.
A agricultura cresceu, tornou-nos o segundo maior exportador de alimentos, e o nosso agronegócio um exemplo de eficiência. Mas florestas foram devastadas, populações deslocadas, sem-terra peregrinam pelo território nacional. A agricultura cresceu, mas não floresceu.
O número de crianças matriculadas na escola cresceu, mas muitas não frequentam as aulas, não concluem o ensino médio, não aprendem o que precisam. A educação cresceu, mas não floresceu.
Nossos políticos precisam buscar, mais do que crescimento, formas de fazer o Brasil florescer é crescer de forma sustentada, livre das dívidas, das depredações da desigualdade, da inflação, da taxa de juros.
O caminho é o crescimento pela base, beneficiando a população de baixa renda, e não o crescimento pelo topo, esperando uma distribuição da renda que nunca virá. Um crescimento que respeite o equilíbrio fiscal e mantenha a estabilidade de preços; que respeite o meio ambiente; que seja capaz de frear a tragédia do endividamento e de reduzir a taxa de juros. Esses objetivos é o crescimento pela base e finanças públicas equilibradas podem se unir. Bem administrados, definidos corretamente e mobilizando a população em torno deles, poderão fazer o Brasil crescer florescendo, atendendo as necessidades dos excluídos, com estabilidade de preços, respeito ecológico e sem a dependência das dívidas e seus juros.
Na atual situação brasileira, não há estratégia melhor do que o crescimento pela base, com incentivos sociais que empreguem os pobres, sem paternalismo nem assistencialismo, para que eles produzam tudo de que precisam, assegurem a frequência de seus filhos à escola, trabalhem na construção de sistemas de água e esgoto, em projetos de reflorestamento. Um grande programa de emprego socialmente produtivo. Esses gastos públicos, além de produzirem aquilo de que o povo precisa, dinamizariam a economia, induzindo crescimento. Elevariam a produtividade e liberariam recursos públicos hoje gastos em assistência social. Gastos com saúde e segurança diminuiriam; a redução da repetência escolar diminuiria despesas com educação; água e esgoto reduziriam doenças e aumentariam a produtividade.
Isso é tecnicamente possível, mas exigirá a composição de uma base de apoio político, para que o Brasil deixe o imediatismo e o corporativismo que regem suas decisões e formule alternativas para o conjunto do País, no médio e longo prazo. Esse é um problema político, dos políticos; e não técnico, dos economistas. Os economistas, que haviam aprisionado os políticos, são agora prisioneiros deles. E estes não veem saída; continuam prisioneiros do verbo crescer, ignorando e desprezando o conceito de florescer.
*Artigo publicado na revista Profissão Mestre de outubro de 2009
Professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF. Site: www.cristovam.com.br.