Volta à mídia a discussão sobre o desarmamento da população brasileira. Na verdade o assunto nunca deixou de ser intensamente discutido em fóruns como a Internet, em conversas informais, entre amigos, no ambiente de trabalho e escolas.
A questão é polêmica. Todos os dias, ao abrir minha caixa postal encontro diversas mensagens, e-mails, com opiniões de todos os tons e níveis possíveis e imagináveis.
Fica difícil, num primeiro momento, formar uma opinião sensata sobre o assunto, uma vez que ele, em geral, é discutido de forma passional, emocional, com pouco equilíbrio e isenção. Há dúvidas, também, nas pesquisas, estatísticas e números que são apresentados pelas diferentes correntes. Fica no ar a sensação de manipulação, de desconfiança, de pouca credibilidade.
Mas, teimoso que sou, tento, nesta nova investida, relativizar a forma e ir além, avaliando o conteúdo, os argumentos. E aí, um impasse: há posições razoáveis dos dois lados.
Os que são contra o desarmamento alegam, em primeiro lugar, o direito constitucional e inalienável à legítima defesa. Criticam também, e com razão, a pouca eficácia do aparato policial oficial no combate à criminalidade. Lembram que quem vai ser desarmado é o cidadão de bem, arma de bandido não tem nota fiscal nem vai ser devolvida, e que eles, os bandidos, podem sentir-se mais à vontade ainda sabendo que, do lado de lá, há uma vítima indefesa. Citam casos específicos em que as pessoas precisariam das armas como proteção, como no caso de ex-policiais e moradores de locais isolados, como sítios e fazendas. São argumentos plausíveis.
Os que são pelo desarmamento apresentam também razões de peso. A campanha de entrega de armas desenvolvida pelo Governo Federal trouxe uma redução significativa no número de homicídios. Menos armas na mão da população, menos mortes, menos violência.
Citam os inúmeros casos de acidentes domésticos, em especial com crianças. Mostram que o cidadão comum, em geral, está despreparado para usar a arma em defesa própria e acaba sendo vítima do bandido, que conta sempre com o fator surpresa a seu favor. Acentuam também que a posse de uma arma pode transformar simples discussões de trânsito ou bate boca entre vizinhos em tragédias irreversíveis. Registram os lucros imensos que estão por trás da indústria armamentista mundial, que teme que uma legislação que restrinja a posse de armas, se aprovada no Brasil, possa levar outros países a buscar o mesmo caminho.
Dados e argumentos também irretocáveis.
Diante de tal equilíbrio de forças, tenho a impressão de que a maioria da população acaba optando pelos argumentos emocionais. “Pensa” com medo, raiva ou ambos. O que não é bom.
Para dificultar ainda mais, em função da crise de credibilidade e caráter que vivemos, o debate corre o risco de transformar-se em espaço e momento de protesto contra o governo, os políticos, “eles”, vistos como uma espécie de entidade externa à realidade do povo. O que não deixa de ser verdade, uma vez que o mundo político parece cada vez mais divorciado do cotidiano do brasileiro comum.
O que fazer, o que pensar?
Lembro do que dizia o poeta: “o coração tem razões que a própria razão desconhece...” Fui ouvir, então, meu coração. E ele me disse...
Nossas escolhas falam muito de nós mesmos. Decidimos com tudo o que somos. Das coisas mais simples, como a roupa para ir a uma festa ou ao trabalho, até o presidente (ou presidenta) da República ou o síndico do condomínio, nossas escolhas revelam muito da nossa alma. A boca (e os gestos) fala(m) do que está cheio o coração... diz a Bíblia.
Se em meu coração mora o medo, a raiva, a insegurança, a mágoa, o rancor, o sentimento de vingança, minhas escolhas refletirão isso. Se tenho, arraigados em mim, preconceito e discriminação, minhas opções, meus gestos serão um retrato desses sentimentos. E os sentimentos à flor da pele levam a escolhas imediatas, geralmente passionais e explosivas.
O contrário também é verdadeiro. Se em meu coração habita o desejo de paz, de justiça, para lá se dirigirão as minhas escolhas. Se compreendo que o homem não nasceu para ser ‘o lobo do homem’, mas sim seu irmão, vou buscar construir fraternidade em mim e à minha volta. Decisões que vem do interior mais profundo tem mais chance de se traduzir em escolhas equilibradas, ponderadas.
Mas aí, outro grande problema. Meu coração, assim como a vida, é capaz de abrigar tanto o medo quanto a paz. Nele há espaço para raiva e ternura, desejos de vingança e sede de perdão. Meu coração é humano, assim como tudo o que sou e nele, o Bem e o Mal costumam estar lado a lado...
Então, é preciso ir ainda mais fundo... Perceber que posso até sentir raiva, medo, desejo de vingança, mas não posso consentir que estes sentimentos ocupem meu coração, minha vida. Posso exercer minha liberdade, minha consciência e ir além, em busca do Mais, decisivo, essencial.
Novamente um texto bíblico vem iluminar minha busca:
E Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Homem e Mulher Ele os criou. E viu que tudo era muito bom...”
Imagem e semelhança... bondade original que nos torna parecidos com o Criador. É lá que somos mais verdadeiros. É lá que mora o melhor de nós. Lá está a resposta que eu procurava.
E as pistas continuam: “Felizes os que constroem a paz. Eles serão chamados filhos de Deus...”, diz Jesus em sua Boa Nova.
Somos semelhantes a Deus porque somos capazes de amar. E o amor, mesmo do nosso jeito frágil e limitado, pacifica nossos sentimentos, palavras e gestos. São as escolhas feitas por amor que mais nos realizam, que mais nos trazem a experiência da felicidade que buscamos em tudo e em todos.
E para amar é preciso se desarmar...
Pareço ingênuo, utópico? Pode ser, mas é nessa direção que caminha o meu coração, a minha vida.
Para além de todos os argumentos, números e estatísticas, verdadeiros ou não, convincentes ou não, no mais profundo do meu coração, onde mora o desejo do amor maior, do amor que transbordando de si mesmo criou a cada um de nós, há uma pessoa desarmada.
É ao encontro dessa pessoa que quero caminhar. Nela, repito, mora o melhor de mim, o melhor de nós.
Ficam de lado as razões e os argumentos, tão válidos que acabam por anular-se entre si. Decido na profundidade de mim mesmo, esse território sagrado de liberdade onde até Deus, para entrar, pede licença. E eu digo: seja bem vindo!
E não deixo por menos, sou pelo desarmamento geral e irrestrito. Desarmar a alma, o espírito, as mãos, o coração, o corpo. Desarmar a vida. E amar a vida!
Autor: Eduardo Machado
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