sábado, 10 de maio de 2025

Crônica: O Silêncio Que Chama



 No quarto de hospital, com sua luz pálida e o tilintar constante dos aparelhos, guarda agora o tempo — ou o fim dele. Lá está ela. O corpo já cansado, os olhos que se fecham mais do que se abrem, e, no entanto, ainda é MÃE. Com todas as letras, com todo o peso e grandeza que esse título carrega.
São 87 anos de estrada. Quatro filhos, tantos netos, uma geração inteira moldada por suas mãos firmes e coração largo. Foi abrigo, colo, conselho, silêncio acolhedor. Esteve presente em cada febre, em cada queda, em cada medo que os filhos não sabiam explicar. Fez-se comida, fez-se oração, fez-se chão firme quando o mundo desabava.

Hoje, é ela quem jaz quieta, envolta por lençóis e pela sombra do inevitável. E mesmo assim, é ela quem cuida. Cuida com o olhar vago que reconhece ou não quem entra, com as mãos amarradas e com o silêncio que clama: “Estou aqui. E você?”

Porque há uma verdade que a vida grita e poucos querem ouvir: um pai — e mais ainda, uma mãe — cuida de dez filhos, mas nem sempre dez filhos cuidam de um pai ou de uma mãe. Não por maldade. Por pressa, por distração, por omissão , por estar muito ocupado, por morar longe, por ter lembranças de seu sofrimento passado, por não conseguir visitá -la por aquele engano moderno de achar que o tempo é eterno e que os nossos esperam.

Mas mãe não espera. Mãe sente. Sente quando falta, sente quando há distância. E quando o fim se aproxima, o que ela mais precisa é do que sempre ofereceu: presença. Não se trata de curar, pois o corpo já se rendeu. Trata-se de estar. De retribuir a vigília, os anos de renúncia, os silêncios engolidos, os sonhos adiados pelos filhos. Trata-se de dar o tempo que ela deu.

Ela, que atravessou noites e madrugadas por febres e choros, agora precisa apenas da companhia de quem gerou. Não se exige heroísmo, apenas que se esteja ali. Porque amor não se mede em gestos grandiosos, mas em presença. No sentar ao lado, no segurar a mão, no dizer “obrigado” — mesmo que tarde.

O tempo dela, agora, corre diferente. E cada segundo junto é uma prece silenciosa, uma dívida que não se cobra, mas se espera que seja quitada com o coração.

Hoje, diante dela, o chamado não é para cuidar — é para estar. Pois só quem esteve a vida inteira ao lado dos seus pode, no final, pedir: “Fiquem comigo”.

E isso, só uma mãe pode fazer.



Obrigado mãe, por ser a minha mãe!

José A Galiani