sábado, 1 de junho de 2013

Diretrizes para a Busca Espiritual.

LEITURA - Diretrizes para a Busca Espiritual. (in http://www.gper.com.br/?sec=matdid&id=2941)

Ampliar imagemUm dos fenômenos típicos do mundo contemporâneo é o crescente interesse pelos assuntos religiosos e místicos, e em certa medida, uma retomada do que podemos entender como "busca espiritual".

A uma primeira vista isto parece um tanto paradoxal, o cientificismo, a lógica materialista e a "nova religião" do consumismo parecem dar as cartas de modo decisivo no mundo moderno. Contudo, num mundo em que o pensamento científico e os avanços tecnológicos têm sido proclamados como os marcos definitivos para o que seja "civilização" em sua mais perfeita concepção, permanecem as mesmas questões existenciais, os mesmos dilemas que sempre impulsionaram o homem à busca espiritual. Diante da constatação de que não nos sentimos menos angustiados porque temos maiores opções de lazer e conforto, de que não vencemos o fantasma da doença, da velhice e da morte a despeito de todos os avanços da medicina, ou de que não nos tornamos menos ansiosos por contarmos com meios de transporte muito mais rápidos dos que os dos nossos avós, tudo isso coloca-nos frente a frente com as mesmas indagações que os povos e as sociedades antigas tiveram que tratar. Indagações estas que permeiam tanto a filosofia quanto a religião.

Todavia, não devemos tomar como autêntica busca espiritual grande parte dos revivals (ou surtos) religiosos e místicos de nossa época. Desespero, excentricidade e uma boa dose de modismo se fazem presentes em grande parte dessa onda mística, que tem sido bem explorada pelo sistema.

Tentaremos aqui, abordar os muitos aspectos do que seja a busca espiritual e de todos os desafios que se apresentam nesse processo de auto-conhecimento e de exame da realidade da vida.

Muitas pessoas, adotaram no passado e mais do que nunca adotam um estilo de vida conformado à trivialidade ou à um modo de pensar (ou de não pensar) no qual a busca espiritual simplesmente não encontre qualquer possibilidade ou, seja habilmente desvirtuada, ao ponto que preocupações ou questionamentos que ultrapassem os limites da vida vulgar sejam ignorados e logo substituídos por preocupações relacionadas à satisfação dos sentidos, a busca dos bens materiais, a diversão, etc. No caso dessas pessoas, as constatações pertinentes à vida e a morte, ou às questões espirituais ainda que ocorram, não são consideradas devidamente. Contudo, em todas as épocas e sociedades, um outro padrão comportamental se faz presente, o das pessoas que por inúmeras e diferentes razões não se conformam à trivialidade e tampouco se limitam a um modo de pensar e viver que apenas reproduza a tendência geral e o que há de óbvio na vida humana. Esse grupo adota diferentes posições diante das questões fundamentais da existência, e não as ignoram, tampouco tentam confundi-las com as respostas fáceis e superficiais que lhe são propostas. Podemos dizer que o primeiro grupo é o daqueles que fazem do "enganar a si mesmos" sua filosofia de vida e por conseguinte, de bom grado estão dispostos a aceitar qualquer forma de engodo que o mundo lhes ofereça.

Quanto ao segundo grupo, podemos dizer que se compõe daqueles que embora longe de uma consciência libertadora, deram um passo importante: decidiram não enganar a si mesmos e assim estão dispostos a encontrar um modo de não serem enganados pelo que o mundo lhes oferece, esse é o ponto onde a busca, seja ela filosófica, científica ou religiosa se inicia.

Todavia, nenhuma busca está isenta de riscos. Neste terreno não existem garantias, não está pautado em certezas. A própria disposição à busca pode se tornar uma espécie de armadilha do ego, na qual muitos caem. De fato, insatisfação e inconformismo, ainda que sejam fatores positivos, não podem assegurar o êxito na busca da verdade. Na realidade, a maior parte dos que dão esse primeiro passo não conseguem ir adiante.

O negar à corrente dominante os coloca imediatamente diante de um impasse: a negação em si não indica uma direção clara para o pensamento e a ação. Esta posição de conflito propôe diversas tomadas de posição próprias a uma visão parcial da realidade. Comumente, duas posições são típicas desse impasse: a afirmação individualista e a abstração coletiva.

A primeira é a crença de que o pensamento e ação se libertam no momento que se decida pensar e agir segundo nossas convicções, de modo que a reflexão se submeta ao que acreditemos que seja certo. Esta crença permeia os comportamentos clássicos dos rebeldes, dos que se colocam à margem da sociedade, dos que adotam ideologias extremistas ou apenas estilos de vida não-convencionais.

A segunda é a crença de que o pensamento e a ação devem ser direcionados para uma transformação coletiva que se traduza numa revolução ou mesmo numa reforma da ordem social. Esta crença permeia as ideologias políticas como o socialismo, o marxismo e o anarquismo e mesmo os ideais utópicos de muitos movimentos religiosos.

Podemos dizer que esta segunda crença, em princípio, possui uma lógica mais consistente, contudo, ambas as posições se encontram limitadas a uma visão estreita e parcial da realidade. E por isso mesmo, se encontram à mercê de uma variedade de equívocos. Uma visão estritamente individualista em geral cruza a tênue fronteira que a separa do narcisismo e da amoralidade enquanto que uma visão coletiva levada a fórmulas simplistas termina no pântano da política real onde os ideais se transformam em pesadelos e desilusões.

Em suma, visões parciais da realidade não são capazes de superar o egoísmo e as demais paixões humanas, em algum ponto do caminho o impulso da busca se confunde. A superação do inconformismo e da insatisfação requer mais do que o mundo das idéias tem a oferecer. Na verdade, as sociedades modernas desenvolveram estratagemas sutis para assimilar e canalizar a insatisfação e o inconformismo, drenar todas as energias transformadoras e por fim, corrompê-las de muitas maneiras. Isso demonstra que não é suficiente a negação de um modo de viver e de pensar que nos pareça errado, é preciso ir mais longe, construir o nosso caminho sob novas bases, idéias e atitudes. Aqueles que alcançam um grau de consciência e visão mais abrangentes da realidade, superam esta posição de conflito e efetivamente tomam o caminho da busca espiritual. Nisso, não está a negação da luta política e social, (do contrário a busca espiritual seria estéril e tola), como alguns entendem. Visão abrangente significa compreender que há uma relação indissolúvel entre a parte e o todo, entre o indivíduo e o coletivo, e que nenhuma liberdade real é possível sem que se considere ambos como objetos da ação e do pensamento correto.

A superação da insatisfação e do inconformismo é um importante estágio de amadurecimento espiritual, o qual só se torna possível quando o exercício do raciocínio e da reflexão se torna efetivo. Enquanto apenas reproduzimos conceitos, dogmas e idéias alheias sem a necessária análise crítica de tudo isso, pouco podemos avançar na busca da verdade. A mente não-reflexiva se sente a vontade quando se vê diante de fórmulas prontas ou respostas absolutas que dela nada exigem senão a aceitação pura e simples. Esta é na verdade, a armadilha mais insidiosa para os que se encontram na busca espiritual. Uma imensa gama de preconceitos e crenças infundadas se interpõem entre o buscador e sua meta, na maioria das vezes fazem-no abdicar do esforço racional para a adoção de uma espécie de "fé cega", induzem-no a imitação, a qual se apresenta como uma via segura. É neste campo de ação que se encontram todas as ortodoxias religiosas e naturalmente, as múltiplas formas de seitas e doutrinas que oferecem noções simplistas de equacionar o impulso da busca religiosa.

Ao buscador, o essencial é compreender a natureza do autêntico caminho religioso para que possa separar o joio do trigo. Históricamente todas as grandes tradições religiosas nasceram de um impulso revolucionário por excelência. Todas elas apresentavam uma via de transcendência integral e por isso mesmo negavam a ordem estabelecida das convenções humanas e os costumes originados dos caprichos e interesses dos indivíduos e da corrupção dos ensinamentos religiosos anteriores. A história de todas essas grandes tradições demonstra também que um processo de secularização invariavelmente se desenvolveu no seio delas. Por diversos fatores um processo de refluxo produziu formas de religiosidade ora cristalizadas, ora inclinadas a revisionismos, operados por sacerdotes e líderes. A isso se somou variadas formas de religiosidade popular e movimentos cismáticos. Todos esses processos foram resultado da forte pressão da própria sociedade sobre a religião. A ordem estabelecida originada dos interesses dominantes é por natureza irreligiosa e portanto, sempre há de combater a religião autêntica e nisso consiste esta pressão. Assim, no decorrer da história de todas as grandes tradições religiosas se fez presente este conflito. O mundo tal como o concebemos, as sociedades humanas, cada uma em diferentes níveis, tende a assimilar formas de religiosidade que não ponham em risco a ordem estabelecida, aceitam a forma e não o conteúdo, a letra morta não a verdade. Por essa razão a religiosidade popular com todas suas crenças superficiais e infundadas e os grupos clericais dominantes encontram um lugar seguro na sociedade, a religião tal como a compreendem não apresenta qualquer traço de transcendência.

Uma das críticas mais comuns à religião, feitas pelos agnósticos e ateus é a de que a religião é mais uma imagem e semelhança do homem, um produto da mente humana e por isso mesmo um espelho em que se reflete tudo o que o homem traz dentro de si. De fato isso é verdade no que se refere a maior parte do que se aceita como religião e religiosidade. E também é verdadeiro que o medo às misérias intrínsecas da existência induz grande parte da humanidade a se apegar à religião e a buscar nela um lenitivo e uma razão para a vida. Entretanto, nada disso exclui ou nega a possibilidade de uma essência verdadeira da religião, aquilo que o Islam define como Senda essencial, Religião eterna revelada ou Senda Divina. A busca espiritual, segundo a perspectiva aqui apresentada, é o esforço para separar o verdadeiro do falso, para encontrar esta Senda Essencial.

Quando nos deparamos com os inúmeros obstáculos e desafios a esta busca, tendemos a considerar a babel de crenças, doutrinas e seitas e os ensinamentos e dogmas contraditórios das grandes tradições religiosas como um obstáculo aparentemente intransponível. Contudo, o desafio à busca não é, na verdade, uma questão de contradições. Estas, se desfazem diante do conhecimento dirigido pelo intelecto e o exame cuidadoso das fontes de que se originam.
Nos parece uma especulação vã e um esforço fadado ao fracasso o se lançar a debates sobre os dogmas de diferentes tradições religiosas. Não é absolutamente este o método a se adotar para um correto discernimento na busca espiritual. De fato, não é possível se chegar a nenhuma conclusão satisfatória nesse sentido enquanto não se tenha uma correta compreensão do que seja a Religião e que, a partir dessa compreensão, se esteja então capacitado para discerni-la do que não seja.

Algumas diretrizes neste exame são fundamentais. Sem elas é praticamente impossível libertar o intelecto dos equívocos e preconceitos que podem confundir mesmo os mais perspicazes.

A primeira diretriz se estabelece no próprio sentido da palavra religião (do latim religare): algo que reconecta o homem com a consciência de sua existência e com o universo de que é parte integrante. Portanto, a religião não é produto da mente do homem. Trata-se de uma realidade transcendente e atemporal que se estabelece na própria condição existencial do homem; que está intrínsicamente ligada a sua existência num sentido mais vasto e abrangente do que o seu surgimento no mundo. Isto é, ela é uma realidade pré-existente e por conseguinte não é uma criação humana. Sua essência se relaciona as mesmas leis imutáveis que produziram o universo e sua ordem, ela é parte integrante desta ordem, a mesma ordem presente nos átomos e nos elementos que compõem o universo. Este é o conceito fundamental da religião, tal como o Islam apresenta. Ou seja, uma visão transcendente da religião que em nada se assemelha as muitas e variadas idéias humanas que concebem a religião como um conjunto de crenças que dependem da época e das circunstâncias históricas. Muito ao contrário, sendo a religião uma realidade pré-existente e atemporal (e não uma criação da mente humana) não pode sofrer alteração em sua essência segundo a vontade e os caprichos humanos. Ela é uma criação divina, isto é, o Criador do Universo a estabeleceu segundo a sua vontade e a entregou a humanidade por meio dos seus Mensageiros (profetas e enviados) para a redenção do gênero humano. O Islam a denomina Fitrat ul Din (Religião Essencial) a qual foi revelada gradativamente no decorrer de milênios numa corrente contínua de mensageiros, profetas e enviados, de Adão (A.S.) a Mohammad (S.A.A.S.), cujo Alcorão é o selo e Mensagem Definitiva à humanidade.

Desde que a Religião é uma realidade transcendental e indivísivel, as várias tradições religiosas de origem ou revelação divina não devem ser tomadas como religiões individualmente, mas sim, mensagens temporárias, isto é, circunscritas a épocas específicas. Não obstante, diversos fatores humanos interferiram nesse processo e fizeram surgir os equívocos e as divergências. A perda e as adulterações de textos revelados contribuiu enormemente para que a concepção da unicidade da religião desse lugar a falsa noção de "religiões". Movimentos cismáticos e seitas aumentaram ainda mais esta situação de confusão quanto à realidade transcendente da religião.

Uma segunda diretriz a ser adotada pelo que está na busca é a de que sendo a religião uma realidade divina, não deve ser confundida com qualquer sistema filosófico produzido pela mente humana, por mais coerente que seja. A religião é uma realidade da dimensão do invisível, ou seja, não é acessível ao homem senão pela revelação divina, a qual não depende do homem e que Deus Altíssimo legou apenas aqueles que escolheu dentre os humanos no passado, os profetas e Mensageiros enviados a quem dotou das faculdades espirituais e o dom profético para que comunicassem suas revelações. Como já dissemos, o ciclo da profecia se iniciou com Adão (A.S.) e se encerrou com o Profeta Mohammad (S.A.A.S.). Este fundamento profético é a única fonte de autoridade espiritual que se relaciona a religião em seu sentido autêntico. Os sistemas filosóficos e as inovações teológicas e sectárias não podem ser tomadas como fontes autorizadas e confiáveis. As inúmeras reivindicações de profecia que frequentemente dão origem a seitas e novas doutrinas carecem de qualquer sentido de consonância com o que Deus altíssimo revelou a qualquer um dos seus Mensageiros.

No caso da filosofia e seus muitos sistemas, possui objetivos e postulados diferentes da religião. A filosofia sempre se assume como uma especulação da verdade e da vida e como tal deve ser compreendida. Seu imenso valor não pode ser negado. Porém, é um grande equívoco tomar qualquer sistema filosófico como religião. Por mais coerente e aparentemente racional e benéfico um sistema filosófico se apresente, não ocupará a posição da orientação provinda de Deus. Na verdade, a grande atração nos dias de hoje a certas formas de crença que se apresentam com "filosofia e religião" se explica pela aplicabilidade dessas crenças as conveniências do homem moderno. Tais sistemas de crença com efeito, não resistem a uma análise séria, não são nem filosofia, nem religião, reúnem um conjunto confuso de princípios superficiais e se oferecem como um produto, uma novidade de mercado para o consumo. O equívoco que permite que sistemas filosóficos possam ser confundidos com "religião" repousa na ausência de uma terceira diretriz, que abordaremos a seguir, a natureza da autoridade espiritual e da Profecia.

O fundamento e a essência da religião, em seu sentido autêntico, repousa na Autoridade Espiritual e no fenômeno da Profecia. Sendo a Religião, em seu sentido autêntico, uma realidade transcendente, de origem Divina, se baseia numa Autoridade igualmente transcendente, isto é, que é estabelecida por fatores superiores a vontade e a mente humana, estabelecida por Deus Altíssimo. Esta autoridade espiritual está relacionada ao fenômeno da Profecia, da revelação profética. Portanto, a autoridade espiritual que nos assegura a existência de um Único Deus, da existência da realidade profética e das escrituras reveladas, das realidades invisíveis da vida no além, do Dia do Juízo, da ressurreição e da existência do Paraíso e do Inferno, não se origina das suposições dos sábios, das especulações dos filósofos e dos fundadores de seitas. Esta autoridade espiritual é a própria Profecia, ou seja, apenas aqueles que Deus Altíssimo escolheu como Profetas e Mensageiros exerceram essa autoridade espiritual em relação às questões dos fundamentos da Religião. As autênticas mensagens divinas ocorreram segundo um programa, uma corrente histórica devidamente coerente. Elas possuíam três características básicas:

1. Um Profeta, ou Mensageiro conhecido, enviado a um povo com todos os sinais evidentes da profecia, sendo que os principais são: Origem conhecida (genealogia), origem de pais de caráter digno e de qualidades destacadas, elevada condição espiritual, qualidades morais e intelectuais superiores, (incorruptibilidade, integridade de caráter, fidelidade na palavra e na ação, etc), sinais manifestos (ou dons) da assistência divina a sua missão, mensagem concordante, isto é, corroborante ao que tinha sido revelado antes dele, ou ao Profeta que o antecedeu. (Esses sinais se fizeram presentes em todos os profetas e mensageiros citados no Alcorão, por outro lado, nenhum dos que tem reivindicado a profecia nos últimos séculos e fundado seitas apresentou nem mesmo uma dessas características distintivas).

2. Um Livro revelado. Naturalmente esta escritura deveria conter os fundamentos monoteístas corroborantes do anterior para que desse continuidade ao programa da Revelação Divina visto que era a palavra de Deus comunicada a um verdadeiro profeta. Ainda que históricamente seja sabido que as escrituras antigas sofreram adulterações e perdas no decorrer dos séculos, o Alcorão nos informa a realidade da revelação da Torah, revelada a Moisés (A.S.), do Livro de Abraão, do Zabur (Salmos a Davi (A.S.)), do Injil (revelado a Jesus (A.S.))(o qual não deve ser confundido com os quatro evangelhos canônicos atribuídos a seus seguidores).

3.Uma tradição oral preservada que estabeleça uma corrente iniciática confiável que remonte ao profeta e seus primeiros seguidores de modo que se garanta que as práticas, as crenças, as interpretações dos textos sagrados nos dias atuais correspondam fielmente às dos primeiros tempos.

Das três tradições monoteístas (judaísmo, cristianismo, Islam) somente o Islam cumpre estes três requisitos básicos nos dias atuais. Detém a prova profética (da revelação), a prova documental de um texto revelado preservado em sua forma original, no idioma em que foi revelado, a prova histórica, isto é, uma tradição oral perfeitamente estruturada.

No caso das outras duas tradições, a ausência desses requisitos promoveu uma deturpação do próprio princípio da autoridade espiritual. Os sacerdotes e sábios passaram a exercer de modo indevido um poder sobre a Mensagem e a religião que lhes confere um direito (segundo eles) de dar as suas interpretações o caráter de Lei e com isso criar inovações e revisionismos. A despeito de tudo isso, a autoridade espiritual permanece sendo aquela que se fundamenta na realidade Profética.

As diretrizes apresentadas nos parágrafos anteriores se referem a um conhecimento teórico de grande valor para aquele que esteja na busca espiritual. Contando com plena consciência da natureza autêntica da Religião, o buscador não será presa fácil dos embustes e das distorções que comumente reduzem a busca espiritual a um esforço em direção a uma meta ilusória. Porém, este não é o único obstáculo nesta busca. Na realidade, este é um obstáculo a ser considerado menor, diante dos meandros e das barreiras da nossa própria mente e dos nossos próprios condicionamentos e preconceitos. A busca espiritual há de ser definida como uma viagem de auto-conhecimento, isto significa que ela se realiza dentro de nosso coração e de nossa mente. Por conseguinte, se estabelece num necessário conflito entre a nossa essência, que por natureza almeja a verdade, e o nosso ego, que é o conjunto de nossas emoções, nossas paixões, condicionamentos e preconceitos. E este ego é instintivamente auto-protetor. Ou seja, por natureza a busca da verdade o ameaça, e, portanto, o ego age pela auto-preservação em nosso coração e em nossa mente. Grande parte do trabalho daquele que está na busca espiritual é conhecer e identificar os processos de ação do ego. Este trabalho é vasto e requer o esforço de uma vida inteira. Trataremos aqui, somente das relações do ego com a religiosidade, em vista da complexidade da questão.

A religiosidade pode ser definida como uma inclinação natural do ser humano para estabelecer uma ligação com uma realidade transcendente. Ela é algo imprimido em nossa essência. Os fatores culturais, sociais e históricos apenas dão feições e nuances a essa inclinação natural. Entretanto, estes mesmos fatores contribuem na formação de nossos processos mentais, comportamentais e em nossas aspirações emocionais. Logo, a religiosidade é grandemente influenciada em muitos níveis e esse impulso natural de busca espiritual como já vimos, pode ser mesmo canalizado e corrompido para várias outras direções. Numa sociedade materialista, irreligiosa, baseada em valores anti-religiosos, a busca de poder, de segurança, de influência, de auto-afirmação e de bens materiais (o que nos parece garantir os primeiros) frequentemente substitui a busca essencial. Em tal sociedade somos condicionados a crer que o bem-estar, a felicidade, a paz de espírito, que mais do que tudo ansiamos, só podem ser asseguradas por meio dessas buscas. Esta mentalidade também tende a corromper a religiosidade e a reduzi-la a uma mera projeção de nossos caprichos ou um meio, não um fim em si mesmo. Para o buscador sincero, a questão revelante é: descobrir em si mesmo o que está realmente buscando. Antes porém, deve conhecer a natureza da religiosidade, discernir esses obstáculos e desvios. Não raro, ao observarmos as pessoas ditas religiosas, encontramos presente nelas uma variedade de motivações do ego que em nada se identificam com Religião. O orgulho e a empáfia de muitos "religiosos" parece competir com os mais empedernidos soberbos de vida mundana, a intolerância e o fanatismo arrastam muitos deles a uma atitude cruel e impiedosa (todos conhecemos a história das grandes guerras movidas por conflitos religiosos), a hipocrisia abjeta dos fazedores de bem que enchem os templos e ostentam sua devoção em troca da respeitabilidade social. Todas essas manifestações de religiosidade demonstram que o ego pode nos ludibriar sobre nós mesmos, pela simples razão de que a religiosidade deve ser dirigida por uma intenção pura, por uma diretriz clara. Esta diretriz não pode ser o medo da morte e do inferno, nem o desejo de ter uma vida agradável, nem de ser bom e respeitável aos olhos dos outros ou de podermos contemplar a nós mesmos como "religiosos" e "obedientes a Deus". Nenhum desses desejos, ainda que não totalmente injustificados como metas, correspondem a verdadeira motivação da busca religiosa autêntica. Por trás de cada um deles está o ego, a manipulação do ego sobre nós. Por isso grande parte do que se vê como religiosidade, não difere em essência dos nossos jogos de poder e aparência na vida social. As mesmas projeções do ego sob a máscara da religiosidade, nossas mesmas paixões, o medo, a avareza, o orgulho, a arrogância e o egoísmo. Nenhuma busca espiritual autêntica pode ser encontrada senão da "devoção pura". O Islam define a devoção pura como a ação inspirada pela consciência da verdadeira posição de Deus, como Criador, Senhor e sustentador do Universo, e pela consciência de nossa posição como criatura. Nessa perspectiva, se encontram a intenção e a ação pura, que compõem a Fé e que sem as quais toda a busca espiritual se torna vã.

O identificar a verdadeira natureza da intenção de nossa própria religiosidade é um importante passo na busca espiritual. Isto é, a disposição sincera de purificar nossa intenção e estabelece-la dentro do padrão divino de "amor a Deus", amor incondicional e correta determinação na busca. Essa disposição sincera implica o esforço pessoal no sentido de zelar por este elo espiritual, protegendo-o de todos os caprichos do ego e das intenções incorretas.

A busca espiritual é um constante aprendizado, uma constante auto-análise que tenta identificar as nossas intenções e pretensões, questionar nossas conclusões sobre nós mesmos e sobre os nossos semelhantes. É preciso que o buscador trabalhe para anular todas as falsas idéias que o ego lhe apresenta sobre a auto-idealização da religiosidade, do contrário, isto o ludibriará e o envolverá numa rede de enganos. Em relação à espiritualidade, somos todos, em graus diversos, enfermos da alma. Quanto antes o buscador adquira e se firme a consciência desse fato, sua busca contará com possibilidades.

Nas partes anteriores abordamos as diretrizes fundamentais para a busca espiritual e alguns dos principais obstáculos que se interpõem no caminho do buscador. Vimos também que o ego sobretudo, é o grande opositor de todo progresso espiritual e conscientização. Todavia, não nos aprofundamos nas questões que envolvem a ação do ego, visto que envolvem uma grande complexidade e precisariamos de bem mais do que um artigo para isso. Antes porém, de passarmos para uma outra forma de obstáculos no caminho do buscador, tratemos ainda de um aspecto específico do ego que está intimamente ligado ao processo de aprendizado: a virtude da humildade.

Não apenas na busca espiritual , mas também em todos aspectos de nossa vida, esta virtude cumpre um papel decisivo para que alcancemos sucesso. Numa fiel tradição consta que o Profeta Mohammad (S.A.A.S.) disse:

"Aquele que não seja capaz de ser humilde por um instante para aprender algo, permanecerá sempre na desgraça da ignorância". 
Se nos fixarmos apenas na implicação desse dizer para a busca espiritual poderemos avaliar o tamanho do obstáculo que uma pessoa coloca entre ela própria e o conhecimento espiritual ao não ser capaz de buscá-lo com humildade. Na realidade, a forma mais insidiosa de ignorância é a que nos faz acreditar "que já sabemos o suficiente" e que "estamos certos, e portanto, nada temos a aprender" e esta forma de ignorância ergue uma barreira entre nós e o conhecimento real das coisas. Precisamos estar atentos ao mecanismo sutil do ego que tenta nos induzir a aceitar tudo o que corresponde a nossas idéias e a rejeitar aquilo que seja contrário a elas, ou ainda, que não convenha aos nosso caprichos pessoais. Aquele que está na busca espiritual tem que necessáriamente aprender a ouvir, e mais do que isso, aprender a avaliar as coisas com a mente receptiva para que possa aceitar ou rejeitar algo com consciência do que está fazendo e não porque uma ou outra lhe pareça o mais conveniente a seus caprichos e idéias. O processo sutil do ego muitas vezes se afirma por meio de nossas idéias e noções.

Há aqueles que fazem de suas idéias e noções uma espécie de ídolo, ou seja, se apegam a elas na medida que entendem que reconhece-las erradas lhes parece um golpe em seu orgulho pessoal. O buscador deve estar atento para esta armadilha da mente. Ter a virtude da humildade requer a coragem de estar pronto a reconhecer que suas crenças e noções pessoais podem estar erradas e não ter medo de adotar novas idéias e crenças a partir do momento que a razão e as evidências demonstrem que estas sejam corretas.

A busca espiritual implica em desafios que se apresentam dentro de nós e ao nosso redor. Temos mencionado algumas características do ego que materializam esses obstáculos e desafios tão somente como noções gerais e neste último capítulo trataremos de um aspecto presente na cultura ocidental moderna que possui uma influência igualmente perniciosa em relação à busca espiritual.

Vivemos uma época caracterizada por uma fragmentação dos valores humanos sem paralelos na história. A visão moderna permite um papel medíocre à perspectiva religiosa, os interesses materiais assumiram uma posição preponderante enquanto a dimensão religiosa no ocidente se eclipsou ao ponto de cumprir o mero papel de acessório social. As muitas igrejas e seitas propagam uma visão religiosa que pouco ou nada se diferencia da visão mercadológica, propõe-se a "salvação" por "preços módicos", tudo o que se pretende é suprimir a visão crítica das pessoas em troca de slogans e uma imensa indústria da fé se edifica sobre essa premissa. O cultivo da religiosidade tem se tornado algo muito semelhante a participar de um grêmio ou freqüentar um clube. A cultura de massas tem se apropriado da perspectiva religiosa e mais do que nunca a idéia de "rebanho" (incapaz de raciocinar livremente) se torna predominante. Em todas as camadas sociais conceitos falsos de religiosidade se popularizaram. Para a grande maioria das pessoas idéias vazias como "todos os caminhos levam a Deus" ou "que basta crer em Deus" ou ainda que "sentir-se bem" é um requisito determinante na escolha desta ou daquela crença, tornaram-se plenamente aceitos.

A idéia de que podemos escolher esta ou aquela religião ou participar desta ou daquela organização religiosa, ou mesmo de não termos religião nenhuma reflete na verdade a tendência egocêntrica onde o homem é a medida de todas as coisas e que a verdade é um conceito relativo. Toda essa onda de superficialidade (que não se limita à questão religiosa) demonstra apenas um desejo ilimitado de satisfazer os nossos próprios caprichos e nada mais. De fato, cada camada social manifesta variações desse mesmo falso conceito sobre a religião. Entre as classes populares o fanatismo e o apego cego às seitas evangélicas predomina enquanto que nas classes abastadas o leque se abre desde a tradição religiosa da família até a adesão as "novidades místicas" passando pela total indiferença a religiosidade, que na realidade, tem sido substituída por um estilo de vida voltado apenas a diversão e ao consumismo.

Ao que está na busca espiritual o desafio diante desse quadro se resume em não ceder à superficialidade ou a ausência do espírito crítico, não ceder à preguiça mental que nos leva a aceitar qualquer coisa como verdade. Vivemos numa época de irreligiosidade e crise do conhecimento espiritual, não podemos esperar encontrar rumos confiáveis para a busca espiritual nesse "mercado da fé". Esse fenômeno midiático que se tornou a "religião" não possui nenhuma possibilidade de transcendência, simplesmente porque a verdade religiosa não pode ser extraída da superficialidade e de slogans.

O que se pretende com a superficialidade e os slogans é apenas ocultar a ausência de essência e verdade no que se tem propagado como religião. Muito do conflito que agora se vê entre o ocidente pseudo-cristão e o oriente islâmico reside nisso. A cultura ocidental, que corrompeu sua própria religiosidade, vê como uma necessidade investir contra o Islam, pois identifica neste a integridade espiritual que o ameaça. Os valores e princípios islâmicos refletem profundidade, essência, beleza e transcendência, e estes valores e princípios se tornaram para o ocidente inaceitáveis. Este conflito é na realidade, um conflito de conceitos, de visões de mundo. Exatamente este conflito é o que se apresenta na busca espiritual de cada indivíduo, em essência não é possível resolver este impasse sem uma correta atitude para o conhecimento. E esta é a alternativa real ao alcance de todo o que está na busca espiritual.


Fonte: GAMAL FOUAD EL OUMAIRI - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS ISLÂMICOS - www.ibeipr.com.br

RELIGIÃO NÃO DEFINA CARÁTER

A infecundidade de um cristianismo insosso
José Lisboa Moreira de Oliveira
Adital
RELIGIÃO NÃO DEFINE CARATER

Acabo de fazer contato com um amigo meu, com o qual não me comunicava há um bom tempo. Este amigo trabalhava para uma congregação religiosa. Na sua resposta me comunicou que estava de aviso prévio e que seria demitido do seu trabalho. Ao narrar a sua demissão meu amigo dizia-se decepcionado não tanto porque iria ficar sem o emprego, mas pela forma como foi demitido. Ele estranhou que, após anos de dedicação e de doação, fosse dispensado de maneira tão fria e tão formal, sem explicações e sem uma palavra de ânimo e de gratidão pelos serviços prestados. E eu que conheço bastante o meu amigo sei muito bem da sua doação, que sempre vai além daquilo para o qual ele é pago para fazer. É claro que ele, pela competência que tem, pela sua postura ética e pela sua seriedade logo encontrará outro emprego. Mas não deixa de ser decepcionante que uma pessoa seja tratada desta forma em ambientes cristãos, particularmente no âmbito de uma congregação religiosa.
Este fato me fez lembrar outro caso. No início do ano, durante a minha viagem de férias, encontrei uma senhora que conheci numa determinada comunidade eclesial. Ela era uma pessoa assídua. Jamais faltava à celebração dominical da Eucaristia, a encontros, reuniões e atividades eclesiais. Depois da saudação e dos abraços costumeiros, perguntei-lhe como estava a sua paróquia. Ela me respondeu que não estava mais "indo à Igreja”.Estranhei sua resposta e perguntei-lhe qual o motivo de seu afastamento da comunidade. Ela, então, me disse que tinha começado "a trabalhar para os padres”. Depois que começou a trabalhar para eles, não estava mais conseguindo ir à missa. Só vai à Igreja em casos especiais, "quando não tem jeito”. Disse que continuava a ser católica, que sempre reza a Deus pedindo perdão, mas não consegue mais acreditar naquilo que os padres falam nas missas, uma vez que ela tinha percebido que na prática eles agem totalmente diferente daquilo que pregam lá do altar.
Enquanto escrevia este artigo recebi uma mensagem de outro grande amigo que habita na região Nordeste do nosso país. Ele escrevia para partilhar comigo o que estava acontecendo em sua cidade. Acabara de chegar à paróquia um jovem padre que está assustando as pessoas com suas maneiras autoritárias. Intransigente e cheio de vaidades, o reverendo dirige-se às pessoas num tom profundamente egoísta: "eu quero isso, eu quero aquilo”, como se fosse o dono absoluto da comunidade. Uma de suas primeiras providências foi concentrar de modo absoluto o poder sobre sua pessoa, emanando um decreto com uma série de proibições e de exigências.
Não foi a primeira vez que escutei coisas semelhantes. É muito comum encontrar pessoas decepcionadas com o comportamento dos cristãos, de modo particular com as atitudes de lideranças como padres, bispos, pastores etc. Alguém poderá objetar afirmando que a nossa fé deve ser em Jesus Cristo e, por isso, as pessoas não deveriam medir seu grau de participação e de atuação a partir do que fazem ou deixam de fazer determinados cristãos. Isso é verdade, mas pela própria dinâmica da evangelização querida pelo Mestre Jesus, o testemunho ocupa um lugar primordial. A comunidade cristã não é fim em si mesmo, mas existe exclusivamente para a missão (Mc 3,14), para a proclamação da Boa Notícia a todos os povos (Mt 28,19). E este anúncio do Evangelho deve se dar essencialmente através do testemunho dos discípulos e das discípulas de Jesus (At 1,8). Logo, a obrigação de testemunhar para evangelizar é uma exigência fundamental do cristianismo. E, quando falta o testemunho, o cristianismo perde toda a sua força e todo o seu potencial evangelizador. Termina sendo reduzido a uma agremiação qualquer, sem qualquer diferenciação em relação às demais.
As primeiras comunidades cristãs tinham plena consciência disso. Por esse motivo fizeram questão de deixar registrada uma alerta de Jesus a este respeito. De acordo com a comunidade de Mateus (Mt 5,13), o cristianismo é comparado ao sal, o qual, se perde o gosto, não serve para mais nada. Como sabemos por experiência, o sal realça o sabor dos alimentos, mesmo se perdendo no meio da comida. Assim a comunidade cristã, mergulhada na sociedade, deve ser capaz de "dar sabor” a essa realidade. E dar sabor significa dar testemunho de amor, de carinho, de cuidado, de justiça e de ética. Se isso não acontece ela termina sendo um sal insosso que só serve para ser jogado fora e pisado pelos seres humanos.
Lembro-me bem de que o meu professor de Evangelhos Sinóticos na Universidade Gregoriana, o jesuíta Emílio Rasco, nos explicou que a metáfora do sal usado por Jesus tinha a ver com um costume das mulheres judaicas de revestir o forno de assar pão com uma camada de sal, de modo que o sal pudesse funcionar como isolante térmico da temperatura, permitindo assim que o pão fosse assado integralmente. De vez em quando a camada de sal se enfraquecia e precisava ser trocada. As mulheres, então, arrebentavam o revestimento do forno, retiravam o sal insosso que era jogado fora na via pública e, consequentemente, pisado pelas pessoas. Tratava-se, pois, de uma metáfora que, no tempo de Jesus, podia ser bem compreendida por todos. Ainda hoje, sabendo desse detalhe, podemos compreender o quanto o sal insosso pode simbolizar um tipo de cristianismo que não consegue mais comunicar a sua força e a sua energia à humanidade.
Partindo dos casos citados no início desse texto podemos deduzir as razões pelas quais o cristianismo está perdendo força no mundo atual. As pessoas, ao confrontarem os discursos bonitos com as práticas concretas dos cristãos e das cristãs, percebem a esquizofrenia e o grau de mentira das belas pregações. Decepcionadas se afastam porque se dão conta de que "na prática a teoria é outra”. Lembro-me de uma afirmação de Gandhi que dizia mais ou menos assim: "o Evangelho é fantástico, é uma carta de princípios fantástica, mas não sou cristão por causa dos cristãos”. E ao afirmar isso Gandhi tinha presente a tragédia da invasão da sua Índia por parte de cristãos ingleses. Estes deixaram por lá rastros de morte e de destruição, antes que o próprio Gandhi conseguisse mobilizar a população e obter a independência do país.
O papa Paulo VI, recolhendo as indicações dos bispos durante o Sínodo de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, deixou bem explícito na Evangelii nuntiandi que o testemunho "é o primeiro meio de evangelização” (EN, 41). Foi enfático em afirmar que os "discursos ocos” produzem cansaço nos fiéis (EN, 42). O testemunho, afirmava o papa, mesmo sendo proclamação silenciosa da Boa Nova, é muito mais eficaz e valoroso do que certas prédicas estéreis e vazias que não encontram confirmação na prática concreta de pessoas cristãs (EN, 21). Sem meios-termos, Paulo VI nos lembrava de que hoje as pessoas escutam mais as testemunhas do que os mestres e se escutam os mestres é porque ele são antes de tudo testemunhas (EN, 41). E quase já no final da exortação concluía com a seguinte proclamação profética: "Ouve-se repetir, com frequência hoje em dia, que este nosso século tem sede de autenticidade. A propósito dos jovens, sobretudo, afirma-se que eles têm horror ao fictício, àquilo que é falso e que procuram, acima de tudo, a verdade e a transparência” (EN, 76). Porém, tendo presente a exortação do papa, é preciso dizer que o testemunho não deve ser confundido com beatice, pieguismo, excesso de religiosidade e de rezas. Não deve ser confundido com o uso de camisetas com frases e figuras religiosas, com a colocação de uma bíblia ou de um crucifixo no local de trabalho ou ainda de um terço pendurado no retrovisor do carro. De todas essas carolices as pessoas já estão saturadas. O testemunho, afirmava Paulo VI, está necessariamente ligado à prática da justiça e à luta para erradicar as formas de injustiça e de opressão que matam tantos irmãos e tantas irmãs. Isso porque o ser humano a ser evangelizado não é uma pessoa abstrata, mas alguém que precisa de comida, de roupa, de casa para morar e de tantas outras coisas (EN, 31).
É hora, pois, de acabarmos com tantas baboseiras, com tantos discursos ocos, com tantas atitudes antiéticas dentro de nossas Igrejas. É hora de cultivarmos uma vida mais simples, mais humilde, mais caritativa, mais cuidadosa dos pequeninos e pobres, uma vida mais desapegada. "Sem essa marca de santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda” (EN, 76).

Jubileu da Congregação de Jesus - "ALMA JUSTA" - Mary Ward

“ALMA JUSTA”
Mary Ward, em 1615 vive uma experiência mística profunda e coloca-se na prática e vivência do Projeto recebido de Deus: a salvação de homens e mulheres!

A Irmã Cirley, superiora da Congregação de Jesus, esteve no Colégio Mary Ward no dia 29 de maio e fez a apresentação do triênio jubilar da Congregação, que passo a seguir a refletir.




A “Alma Justa”, mística da Congregação de Jesus, é exatamente a disposição interior e exterior de Mary Ward em viver uma vida livre de “pré-conceitos pessoais, sociais, culturais e religiosos”.  Viver o carisma de Mary Ward hoje é seguir a Deus com uma liberdade interior que ultrapassa a vontade própria e nos torna capazes de fazer o bem não pelos merecimentos e capacidades que temos, mas pela graça e misericórdia divina, como afirmava Mary Ward: “Deus dá com generosidade, não para guardar para si, senão para ajudar os demais.”

O 1º de novembro, dia de todos os santos, de 1615 foi para Mary e é para nós hoje um convite para uma vida de amor, de justiça e liberdade. Viver essa terceira dimensão da obra de Mary Ward, a “Alma Justa” é estar disposto a “salvar almas”, ou seja, estabelecer relações marcadas pela verdade, pela fé, pela caridade e por tantos outros valores. Para Mary viver na “alma justa” é deixar-se conduzir por Deus e ser fogo que arde que queima e faz de realidades corruptas, injustas, mentirosas, mortas e indiferentes uma realidade nova e geradora de fraternidade, de solidariedade, de uma sociedade “salva” que vive intensamente valores que promovem a vida em todas as suas dimensões.

A mística da “alma justa” nos move em direção à realização da obra divina, tornamo-nos participantes da criação, criaturas e criadores, para o bem de tudo e de todos como nos pede Mary Ward: “ser conscientes da nossa finalidade”.

Nossa responsabilidade decorrente da visão da “Alma Justa” nos coloca em harmonia profunda com toda a humanidade e a natureza toda. Não como seres superiores, não como poderosos e dominadores, mas como servidores que pela justiça criamos relações transparentes fundadas em virtudes evangélicas que tornam a vida, nossa e dos outros, e do universo uma vida segundo a vontade de Deus.

A “alma justa”, mística da Congregação de Jesus, desafia a vivermos referindo-nos sempre a Deus de forma que nossa vida, na graça divina, possa ser o que exatamente é: presença de Deus! E, como queria Mary Ward as pessoas devem “ser o que parecem e parecer o que são na realidade”.
“Ser realmente o que se é” requer humildade e delicadeza, num movimento interior e exterior intenso de amor à verdade e prática da justiça, “a fim de que fossem abastecidas com a verdadeira sabedoria”.
A felicidade, que tantos buscam, para Mary na mística da “Alma Justa”, passa pelo discernimento do bom, do melhor, do essencial. Assim, ser feliz é viver a justiça, a liberdade e a verdade na relação profunda com o essencial, Deus e o outro.

A “Alma Justa” nos impulsiona a perceber que “é justo quem cumpre a vontade de Deus e encontra aí sua felicidade” e, por isto é livre, verdadeiro e vive de forma íntegra na relação com Deus, com os outros e com o que o cerca.

Parabéns Congregação de Jesus! Que, 2013 – 2015, possamos viver de tal forma que testemunhemos pelas palavras e ações o tão grande e precioso carisma de Mary Ward.

J. A. Galiani

Peregrino de Mary Ward