domingo, 27 de janeiro de 2013

HOMILIA NA CELEBRAÇÃO JUBILAR de 50 ANOS DE CANONIZAÇÃO DE SÃO VICENTE PALLOTTI - Dom Júlio Endi Akamine

Meu caro amigo, minha cara amiga. Partilho com você a homilia por ocasião da celebração jubilar. (Peço que imagine a oração feita na véspera da ordenação. Não foi exatamente esta a que fiz na véspera da minha ordenação, mas como, para Deus, as preces sempre são atuais, creio que a que faço hoje sirva também para aquele dia de tremor e temor). “Pai de bondade, vosso servo Vicente Pallotti recomendava aos seminaristas que não tivessem pressa em se ordenar e que era necessário se esforçar em adquirir o espírito eclesiástico antes da ordenação porque depois era quase impossível. Foi pensando nessa exortação de Pallotti e na ordenação de amanhã que me dirijo a Vós: eu Vos louvo e bendigo por terdes querido me preparar para o sacerdócio e Vos suplico o genuíno espírito do sacerdócio de Vosso Filho. Amanhã ouvirei da Igreja: “Queira se aproximar o que vai ser ordenado presbítero”. Não fui eu que vos escolhi, mas vós a mim. A essa escolha responderei: “presente”, aqui estou! Responderei dessa forma porque a vossa escolha é fruto dos vossos imperscrutáveis caminhos de amor e de misericórdia. Vós escolheis o fraco para o sobre-humano, o pequeno para o elevado, o pobre para o sublime, o nada para o tudo a fim de que ninguém possa se vangloriar. Fazei, Senhor, que eu me lembre da promessa de vosso Filho: “meu jugo é suave e meu peso, leve”. Que o aniquilador peso da cruz de Cristo se torne, para mim, um ditoso peso de Deus. Em seguida o bispo perguntará: “Ele é digno desse ministério?”. Meu Deus, quem será digno de Vós? Quem é digno diante de Vós? A baixeza pode ser digna ante a Vossa grandeza? Pode a pecaminosidade se sustentar diante do Três vezes Santo? Eis que me verei obrigado a rezar com Isaías: “Ai de mim, estou perdido, pois sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de lábios impuros”. Sois Vós que me fazeis digno, Senhor, porque vosso chamado e vossa graça constituem minha dignidade. Por isso, quero, depois da eleição do bispo, responder com todos os presentes: “Graças a Deus”! Graças a Vós, ousarei dizer sim. Depois ouvirei a homilia do Bispo. Já sei mais ou menos o que ele dirá, pois li a alocução sugerida para a ordenação. Senti-me confortado pelo modo como ele se dirige a mim, chamando-me de filho querido, de irmão em Cristo. Senti-me tocado por algumas exortações feitas em maneira delicada, mas não menos firmes: “Transmite a todos a Palavra de Deus, que recebeste com alegria. Procura crer no que lês, ensinar o que crês, praticar o que ensinas. Seja a tua pregação alimento para o povo de Deus, seja tua vida estímulo para os fiéis. Toma consciência do que fazes e põe em prática o que celebras. Lembra-te, filho querido, que foste escolhido dentre os homens e colocado a serviço deles nas coisas de Deus. Procura não o que é teu, mas o que é de Cristo. Tem sempre diante dos olhos o exemplo do Bom Pastor que não veio para ser servido, mas para servir, para buscar o que estava perdido”. Como resposta a essas exortações, irei, diante da comunidade, fazer minhas promessas. De joelhos, colocarei minhas mãos nas do bispo exprimindo que coloco minhas mãos nas vossas mãos. Nas vossas mãos de Pai, colocarei minhas mãos, não para serem seguradas, mas para que se abram. Nesse gesto me sentirei entregue a Vós para poder me entregar a todas as pessoas, especialmente aos mais pobres e necessitados. Com minhas mãos nas do bispo, prometerei obediência e fidelidade à Igreja. Com tremor prometerei a obediência de vosso Filho: obediência dura e fiel, obediência na qual ele se esqueceu de sua própria vida, mergulhado no cumprimento de vossa vontade; obediência na qual vosso Filho se perdeu para ganhar a vida do mundo. Eis que coloco as minhas mãos nas vossas. Tomai-me as mãos e conduzi-me através das alegrias e provações, das honras e das humilhações, dos trabalhos e sofrimentos. Conduzi-me hoje e sempre; conduzi-me para o vosso Reino. Em seguida, virá a prostração. Deitado, com o rosto virado para o chão, desejo me entregar todo a Vós, consciente da minha impotência e fraqueza. Prostrado, tomarei consciência que serei ordenado não porque mereço, mas porque Vós me chamastes. Lançado por terra, me unirei aos habitantes do Céu, enquanto a assembléia canta a Ladainha. O bispo então me imporá as mãos em silêncio. E nesse silêncio – como na noite de natal ou da páscoa – vossa palavra poderosa e o fogo do vosso Espírito me recriarão como sacerdote de vosso Filho. O que é decisivo acontece no silêncio. Nenhuma palavra é proferida, nenhum canto, melodia alguma acompanha a imposição das mãos. No silêncio, vosso Espírito, dom divino da vossa graça, que não é espírito de hesitação, mas espírito de força, de amor e de discernimento, virá sobre mim. Vosso Espírito é o espírito que faz sacerdotes, santificadores e testemunhas da vossa Palavra. Vosso Espírito é o espírito que me arranca de mim mesmo e me coloca dentro do sacrifício de Cristo, para que possa oferecer a minha vida com a oblação salvadora do vosso Filho. Ficarei assombrado ao me recordar que as palavras de Isaías valerão também para mim: “O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me consagrou pela unção; ele me enviou para levar a boa nova aos humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, aos prisioneiros a liberdade e para proclamar um ano de graça da parte do Senhor”. E com não menos espanto poderei repetir com vosso Filho: “hoje se cumpriu esta palavra da Escritura”. O bispo imporá as mãos sobre mim e serei integrado nas fileiras de vossos servos que, há mais de dois milênios, atravessam os tempos e as terras para levar vosso nome diante de povos e reis. Serei acolhido na corrente ininterrupta dos sacerdotes cuja expressão visível se materializa nos padres presentes, que também imporão as mãos sobre mim. Sei que cada um deles, em silêncio, rezará por mim. Cada um deles se lembrará da própria ordenação e como tem vivido depois dela. Eles sabem por experiência pessoal o que é preciso para o exercício fiel do ofício presbiteral; conhecem quais os riscos que devem ser enfrentados; reconhecem quanto é preciso se esforçar para chegar a ser um bom padre. Com a imposição das mãos deles pertenceremos ao presbitério, repousará sobre nós a responsabilidade. Que a nós, Senhor, nunca falte o Espírito dos Apóstolos e dos mártires, o Espírito fiel, forte, desinteressado, crente e empreendedor. O bispo e os sacerdotes imporão as mãos e as retirarão de minha cabeça. Mas as vossas mãos, ó Pai, permanecerão sobre mim. Vossas mãos ficarão sobre mim. Mãos do Todo-poderoso, mais brandas do que as mãos da mãe. Mãos que criaram tudo e tudo conservam. Mãos capazes de pesar duramente sobre o homem. Mãos que muitas vezes hão de pesar esmagadoramente sobre minha vida sacerdotal. Mãos que ferem e curam. Mãos do Deus vivo nas quais é terrível cair. Mãos nas quais entregarei meu espírito na hora da morte. Depois desse poderoso e ponderoso silêncio da imposição das mãos, o bispo rezará a oração de ordenação. Essa oração recordará o que está na Primeira Carta a Timóteo, na qual é dito que o encarregado do ministério deve manter o bem que lhe foi confiado, deve passar adiante fielmente o tesouro que recebeu de Cristo. Irei me unir ao bispo em sua oração e pedirei, através dele, que minha vida seja coerente com o serviço que recebo. Depois disso o bispo me entregará os paramentos sacerdotais. À veste cândida do batismo será acrescentada a veste sacerdotal. Suplico-vos, ó Pai, a graça de mantê-las, ambas, imaculadas até vosso tribunal. Sozinho diante de vós, estou nu, pois quem, ante os olhos de vossa justiça incorruptível, é algo mais do que nada e pecado? Sois vós que me revestis com a túnica da justiça e da modéstia. Sois vós que me recobris, a mim, filho pródigo, com a túnica da graça. Além dela, vos peço a armadura da luz (cf. Rm 13,12), a cintura da verdade, a couraça da justiça, o calçado do zelo pela pregação do evangelho da paz, o escudo da fé, o capacete da salvação e a espada do Espírito (cf. Ef 6,14-17). Assim revestido de vosso Filho, irei celebrar a eucaristia. Ser revestido de Cristo não consiste em vestir uma bela indumentária e com isso me diferenciar das outras pessoas, mas em crescer dentro dessa veste. Vestir os paramentos deve me lembrar que, no lava-pés, vosso Filho se despiu do manto, a roupa da glória, para vestir a roupa do escravo. Quando me encaminhar para a missa, vestirei a luminosa indumentária da ressurreição, mas depois da celebração me despojarei dela para sentir fisicamente, como Jesus, que devo servir as pessoas e lavar-lhes os pés. Assim revestido, o bispo me ungirá as mãos. Mãos que devem abençoar. Mãos que devem dispensar aos pecadores a paz de Deus. Mãos que devem se estender em prece pelo santo Povo de Deus. Mãos que devem sustentar o Corpo e o Sangue de Cristo. Enchei, ó Deus, minhas mãos com vossas bênçãos! Fazei que nunca estejam vazias e sejam sempre mãos santificadas! Que sejam ágeis em vosso serviço e amarradas para o mal! Que a cruz, sinal do vosso amor, arda em minhas mãos como as chagas do Crucificado! Que eu traga sempre os estigmas de Cristo em minhas mãos e em meu corpo. Que minhas mãos sejam sempre afetuosas, que toquem as pessoas para aproximá-las fisicamente de Vós! Que o vosso Espírito Santo distribua vossas graças através de minhas mãos vazias. Tenho consciência de que minhas mãos não conseguem oferecer nada. Fazei que o reconhecimento de minha impotência e pobreza me lembre que nunca tenho a posse do que devo dar, que sempre de novo deverei receber o que devo comunicar aos outros. A seguir o bispo confiará, pela primeira vez, a patena e o cálice às minhas mãos ungidas. Segurarei a patena destinada a carregar o Corpo de Cristo. Pegarei no cálice que contém o resgate pelos pecados do mundo. Serei vosso sacerdote e celebrarei a primeira missa na manhã do domingo e todos os dias de minha vida. Com minha vida serei atraído para dentro da vossa morte. Fazei, ó Pai, que imite o que é feito na celebração. Esteja eu sempre pronto a me tornar pão que nutre as pessoas. O bispo me dará então o abraço da paz. Essa saudação afetuosa expressará a minha aceitação na comunidade dos padres, o presbitério. Expressará concretamente o desejo de que me sinta emocionalmente aceito no círculo dos padres, de que me sinta em casa com eles. Caminharei de um sacerdote para outro e receberei de cada um a saudação alegre e afetuosa. Certamente cada um deles acrescentará alguma palavra que quero acolher com atenção. Desejo que essa demonstração de amor e de afeto fique marcada na minha memória e estenda sua força benéfica e curadora pelo resto da vida. Tendo sido assim por vós chamado, elevado, ungido, serei vosso sacerdote. Tudo o que se seguir há de ser apenas o efeito, o gastar-se desse chamado definitivo, mera execução desse único e definitivo mandato que há de dominar minha vida para sempre. Que eu seja encontrado vigilante e fiel no dia em que vireis me buscar. Ó Pai misericordioso, desejo por fim, no dia de minha ordenação, que a oração da manhã da minha vida sacerdotal seja a oração de vosso santo e nosso Fundador, Vicente Pallotti. Seja destruída toda minha vida e a vida de Jesus Cristo, Senhor meu, seja minha vida. Que a vida do Pai e do Espírito Santo seja minha Vida. Seja destruído tudo o que há em mim, e esteja em mim tudo o que há no Pai, no Filho e no Espírito Santo (OOCC X,423). AMÉM!”