sábado, 2 de outubro de 2010

Bullyng: onde é a saída?

Bullyng: onde é a saída?


Dia desses, ao passar pelo quarto da minha filha, de 16 anos, que vai prestar vestibular no final do ano, assustei-me com a quantidade de apostilas que ela acumulou até agora, com conteúdos que serão cobrados nesta prova. O volume é muito grande, talvez duas mil páginas, ou mais, entre exercícios, conceitos, fórmulas, listas e mais listas de nomes estranhos. Passa-se muito tempo aprendendo coisas que não serão necessárias. Mas a juventude não tem por parte destas instituições de ensino, nem de nenhum outro lugar, o favorecimento da aprendizagem de habilidades que deveriam ser consideradas básicas. Isto acontece por que fazemos parte de uma cultura que manifesta profunda ignorância no que diz respeito ao trato com o ser humano.

De maneira geral, não se sabe lidar com suas questões humanas, como o medo, a insegurança, a raiva, a solidão. E o bullyng está aí sinalizando esta ignorância. Em vez de se empenhar tanto tempo na absorção de conhecimentos descartáveis, a sociedade deveria se debruçar diante deste sintoma que é o bullyng e aceitar o desafio de solucionar este triste quadro. Não adianta culpar o jovem sem limites ou a família despreparada. Precisamos mais do que isto. A nossa sociedade ocidental, com sua ênfase no racional e na lógica, se vê indefesa diante da própria natureza humana, que se mostra violenta e caótica, agressiva e ilógica, na maior parte do tempo. Precisamos aprender a lidar com esta humanidade, com o desenvolvimento humano, para podermos atender com eficiência as demandas deste desenvolvimento.

Jovens que praticam bullyng estão manifestando um impulso biológico de autoafirmação. Estão vivendo a hegemonia do mais forte perante o mais fraco. E o mais forte fisicamente, o mais forte no aspecto da liderança, é o que acaba se impondo perante o mais fraco, utilizando este mais fraco como saco de pancadas, como forma de fortalecer a sua autoconfiança e seu domínio perante o grupo. A vítima do bullyng é invariavelmente fraca em quesitos sociais como sociabilidade e força física, o que a deixa vulnerável ao ataque dos jovens em desenvolvimento e que não encontram outra forma de provar o seu valor, de desenvolver o seu potencial humano. Ninguém os está direcionando para que a animalidade não se estabeleça como principal forma de relacionamento com o mundo. Ninguém os está instruindo para que a humanidade vença e domine a animalidade, que o equipamento físico, o corpo e seus recursos, sejam utilizados para a construção, para o bem, e não para a destruição e o mal.

A ignorância a respeito do ser humano e suas necessidades na fase de desenvolvimento permitem que nos concentremos em conhecimentos inúteis, enquanto uma grande gama de informações úteis é deixada de lado. Não adianta simplesmente punir e reprimir, pois são estas somente soluções fáceis e paliativas, que não resolvem o verdadeiro problema. É como tratar um tumor no cérebro com analgésicos para dor de cabeça. As ciências sociais precisam desenvolver este campo de pesquisa e aprimoramento para que soluções possam surgir, para que a indignação e o levantamento dos culpados deixem de ser as únicas medidas tomadas como prática diária daqueles que se propõem a ensinar, formar e civilizar.

Texto de Mariliz Vargas, psicóloga e autora dos livros A Sabedoria do Não e Você É Mais Forte Que a Dor. Site: www.marilizvargas.com.br

(Jornal Virtual Ano 8 - Nº 185 -01/10/2010)