Bullyng: onde é a saída?
Dia desses, ao passar pelo quarto da minha filha, de 16 anos, que vai prestar vestibular no final do ano, assustei-me com a quantidade de apostilas que ela acumulou até agora, com conteúdos que serão cobrados nesta prova. O volume é muito grande, talvez duas mil páginas, ou mais, entre exercícios, conceitos, fórmulas, listas e mais listas de nomes estranhos. Passa-se muito tempo aprendendo coisas que não serão necessárias. Mas a juventude não tem por parte destas instituições de ensino, nem de nenhum outro lugar, o favorecimento da aprendizagem de habilidades que deveriam ser consideradas básicas. Isto acontece por que fazemos parte de uma cultura que manifesta profunda ignorância no que diz respeito ao trato com o ser humano.
De maneira geral, não se sabe lidar com suas questões humanas, como o medo, a insegurança, a raiva, a solidão. E o bullyng está aí sinalizando esta ignorância. Em vez de se empenhar tanto tempo na absorção de conhecimentos descartáveis, a sociedade deveria se debruçar diante deste sintoma que é o bullyng e aceitar o desafio de solucionar este triste quadro. Não adianta culpar o jovem sem limites ou a família despreparada. Precisamos mais do que isto. A nossa sociedade ocidental, com sua ênfase no racional e na lógica, se vê indefesa diante da própria natureza humana, que se mostra violenta e caótica, agressiva e ilógica, na maior parte do tempo. Precisamos aprender a lidar com esta humanidade, com o desenvolvimento humano, para podermos atender com eficiência as demandas deste desenvolvimento.
Jovens que praticam bullyng estão manifestando um impulso biológico de autoafirmação. Estão vivendo a hegemonia do mais forte perante o mais fraco. E o mais forte fisicamente, o mais forte no aspecto da liderança, é o que acaba se impondo perante o mais fraco, utilizando este mais fraco como saco de pancadas, como forma de fortalecer a sua autoconfiança e seu domínio perante o grupo. A vítima do bullyng é invariavelmente fraca em quesitos sociais como sociabilidade e força física, o que a deixa vulnerável ao ataque dos jovens em desenvolvimento e que não encontram outra forma de provar o seu valor, de desenvolver o seu potencial humano. Ninguém os está direcionando para que a animalidade não se estabeleça como principal forma de relacionamento com o mundo. Ninguém os está instruindo para que a humanidade vença e domine a animalidade, que o equipamento físico, o corpo e seus recursos, sejam utilizados para a construção, para o bem, e não para a destruição e o mal.
A ignorância a respeito do ser humano e suas necessidades na fase de desenvolvimento permitem que nos concentremos em conhecimentos inúteis, enquanto uma grande gama de informações úteis é deixada de lado. Não adianta simplesmente punir e reprimir, pois são estas somente soluções fáceis e paliativas, que não resolvem o verdadeiro problema. É como tratar um tumor no cérebro com analgésicos para dor de cabeça. As ciências sociais precisam desenvolver este campo de pesquisa e aprimoramento para que soluções possam surgir, para que a indignação e o levantamento dos culpados deixem de ser as únicas medidas tomadas como prática diária daqueles que se propõem a ensinar, formar e civilizar.
Texto de Mariliz Vargas, psicóloga e autora dos livros A Sabedoria do Não e Você É Mais Forte Que a Dor. Site: www.marilizvargas.com.br
(Jornal Virtual Ano 8 - Nº 185 -01/10/2010)
Amigo Galiani: Lendo o essa matéria da psicóloga Mariliz Vargas lembrei do mestre Rubens Alves, que no artigo "Vestibulo de coisa nenhuma" dá um grito de alerta contra esse modelo de educação que ai está. Em resumo ele alerta:"Os exames vestibulares são uma das maiores, possivelmente a maior praga que infesta a educação brasileira. O seu nome, derivado de “vestíbulo sugere que eles são apenas uma inocente e estreita porta de entrada para as universidades. Mas freqüentemente acontece com as instituições sociais o mesmo que ocorre com os medicamentos: os efeitos colaterais não-previstos são mais importantes que os efeitos desejados. Pode ser que a cura seja pior que a doença. É o caso dos vestibulares.Cúmplices nesse processo são os pais. Ansiosos por ver seus filhos nas universidades, por imaginarem que um diploma vai lhes garantir segurança econômica, exercem pressões sobre as escolas no sentido de que elas se transformem em instituições dedicadas a “preparar para os vestibulares”. Os professores que preparam as questões para os exames vestibulares, nem de longe imaginam que, ao elaborar uma questão, estão determinando os rumos da educação no Brasil.O padrão de conhecimento refere-se à soma de informações julgadas necessárias e indispensáveis para se passar nos exames.Quanto à inteligência, é preciso saber que não há uma, mas muitas. Os exames vestibulares encontram-se entre os feiticeiros que fazem dormir muitos tipos de inteligência e entre os assassinos que matam muitas outras.O miserável artifício de estudar os “resumos” dos livros, é uma forma segura de matar o amor pelo ato vagaroso e preguiçoso de ler. A inteligência deseja viajar com leveza... Assim, todo o enorme gasto de tempo, dinheiro, energia, todo esse imenso sofrimento de filhos e pais, está destinado a terminar como os castelos de areia construídos na praia: é logo lavado pela maré do esquecimento".
ResponderExcluirRenê obrigado pela visita e partilha de tão profundo texto de Rubem Alves.
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