quarta-feira, 11 de junho de 2025

UM TRIBUTO A FERNANDO PAGLIARO

 Em 10 de junho Fernando viveu sua Páscoa definitiva, entrando na plenitude da vida eterna com Deus.

Uma alma pura, marcada por uma inocência que se alia a um pensamento crítico diante da realidade social e eclesial. Casado, pai de duas filhas, profissional competente e amigo leal, Fernando tinha habilidades únicas de relacionamento. Sempre de bem com todos, acolhedor e ao mesmo tempo irreverente às posturas dogmáticas que muitas vezes limitam a liberdade de buscar a verdade.


Desde jovem, Fernando foi um questionador das estruturas sociais, políticas, econômicas e religiosas. Não tolerava injustiças, não se calava diante da intolerância, e não se deixava seduzir pelo poder do ter. Sua força vinha do gesto humilde de Jesus no lava-pés, que ele via como o verdadeiro caminho de liderança e serviço.

Na comunidade, era sempre disposto a participar, buscando aprofundar sua fé, especialmente na Eucaristia, que para ele era o alimento que dá vida ao mundo, o pão vivo descido do céu, fonte de esperança e renovação.

Fernando tinha uma relação especial com a Eucaristia, que alimentava sua alma e fortalecia sua luta por um mundo mais justo, humano e fraterno. Sua visão de Igreja era de uma comunidade pé no chão, cuidadora dos pobres e marginalizados, um espaço de acolhimento verdadeiro.

Sua irreverência às posturas dogmáticas muitas vezes o colocava em diálogo direto com alguns padres, sempre buscando entender e viver a fé de forma autêntica.

Amado por todos, Fernando era aquele que sempre sorria, que estabelecia amizades com facilidade, que buscava compreender o desconhecido, o esquecido, o desamparado. Muitas conversas tivemos, especialmente sobre Maria, a divindade de Jesus e sua humanidade. Mas o que mais o intrigava era a Eucaristia.

Lembro-me de quando pediu meu TCC sobre o Sacramento da Eucaristia: sacramento da Partilha. Ele leu, refletiu, questionou, e juntos chegamos à grande verdade do Evangelho: o pão vivo descido do céu é para dar vida ao mundo, é o corpo de Cristo que se partilha para que todos tenham vida em abundância. Para Fernando, essa verdade era clara: a Eucaristia é para os pecadores, para aqueles que buscam a Deus, para todos nós, porque Jesus veio justamente para isso.

Perdemos um irmão, um amigo, um catequista dedicado, um Ministro Extraordinário da Eucaristia. Mas, certamente, ganhamos um predecessor no céu, que prepara um lugar para nós onde não há dogmas, nem normas que aprisionam a liberdade de buscar a Deus.

Lá, não há "padres mandando" e leigos tendo que deixar sua comunidade para realizar sua missão em outra, nem proibições para os pecadores. Fernando viveu sua fé na Eucaristia na simplicidade das catacumbas, na esperança de um mundo melhor, na busca constante pela verdade.

Sua presença entre nós foi um testemunho de que a busca pela verdade e pelo amor é o que realmente importa. Sua alma, certamente, é uma das mais puras que tivemos.

Gratidão, meu irmão, por tudo que nos ensinaste, por teu exemplo de fé, coragem e amor. Que agora, na eternidade, tu possas celebrar a Páscoa definitiva, na alegria do Senhor.


J. A. Galiani

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Irmã Querubina, a Rocha da Esperança!

    Em tempos em que a esperança parece ser artigo de luxo, há pessoas que a carregam como se fosse bagagem leve, essencial, diária. Assim era Irmã Querubina, Filha de São José do Caburlotto, uma dessas almas raras que caminham pela terra deixando rastros de luz onde só havia lama.



Conheci Irmã Querubina em meio ao caos que se tornava rotina: enchentes frequentes nos arredores do Rio Aricanduva, ali pelos territórios da Paróquia São João Batista, na Vila Carrão. Um cenário desolador — ruas submersas, móveis encharcados, cadernos boiando em águas barrentas, e junto de tudo isso, um povo cansado. Mas bastava olhar para ela, de pé entre as perdas, para lembrar que recomeçar era possível.

    Ela não vinha com promessas vazias. Vinha com as mangas arregaçadas e o coração inteiro. Era como aquela manhã em que as mulheres encontraram a pedra removida do sepulcro — um espanto silencioso e santo. Irmã Querubina também removia pedras: as da desesperança, da indiferença, da desistência.

Movida por uma educação que brotava do coração  e apenas do coração, ela arrebanhava as crianças como quem junta flores num jardim escondido. Chamava cada uma pelo nome. Um nome, um mundo. Tinha a alma grande o suficiente para acolher todos esses mundos. E era isso que fazia: acolhia, incentivava, acreditava.

    Seu vínculo com a comunidade era como se ela tivesse sido semeada ali. Sabia estar em comunhão com as pastorais, com o Pároco, com cada fiel que encontrava no caminho. Era uma presença que gerava ação, uma simbiose de fé e serviço, que dava frutos na evangelização e no cuidado com os mais vulneráveis.

    Nas celebrações da novena de São José, ela estava lá como presença firme, serena, viva. A piedade fervorosa daquelas noites ganhava brilho com a doçura de seu sorriso e com a leveza com que conduzia tudo à glória de Deus. Não havia nela nada de grandioso no sentido mundano, mas tudo de sublime no sentido do Reino.

    E era impossível não se contagiar com seu humor sereno, com sua alegria que não ignorava a dor, mas a transformava. Como se dissesse: “Sim, dói, mas vamos em frente. Deus está aqui.”

    Hoje, ao lembrar de Irmã Querubina, não posso evitar a imagem de alguém que andou de mãos dadas com o Ressuscitado alguém que olhava a lama e via possibilidade, que enfrentava enchentes e via oportunidade de recomeço.

    Ela não só testemunhou a fé. Ela foi fé em forma de gente. Uma verdadeira Filha de São José, aquele carpinteiro silencioso e justo, que constrói mesmo no escuro, que protege mesmo no anonimato.

    Fica aqui meu tributo, não como encerramento, mas como eco. Porque Irmã Querubina continua no nome que ela nunca esquecia de chamar, nas mãos que ela segurava, nas lições que ela plantou em terra molhada.

Obrigada, Irmã Querubina. 

Sua vida foi Evangelho vivido e jamais se perderá.

Galiani. J. A.