Os meses de maio e junho de 2009 vão ficar marcados na história como sinais de uma nova perspectiva de diálogo do Ocidente com o islã. Dois acontecimentos particulares marcam esse novo caminho: a viagem do papa Bento XVI na Terra Santa (08 a 15 de maio) e o discurso de Barak Obama na Universidade de Al azhar, no Cairo (Egito), no dia 04 de junho de 2009. Há uma feliz coincidência entre essas duas iniciativas dialogais com respeito ao islã. São marcos de um novo tempo, bem distinto daquele marcado pela idéia de “choque de civilizações”, defendida por Samuel Huntington e aplicado pela política de George Busch. Como tão bem mostrou Edward Said em artigos singulares, a idéia de “choque de civilizações” acaba mobilizando o “lado mortífero” dos nacionalismos. As culturas e civilizações não são monolíticas ou homogêneas, mas pontuadas por intercâmbios, trocas e aprendizados fundamentais. Na verdade, elas afirmam-se mais profundamente quando entram em parceria com os outros, com os diferentes. O grande desafio do tempo atual é saber “hospedar o outro”, deixar-se marcar pelo aprendizado da diferença. Nada mais necrófilo do que encerrar as civilizações e as identidades em cápsulas enclaustradas, expurgadas da dinâmica viva que marca e anima a história humana. Como mostrou Edward Said, a história não é somente palco de guerras imperiais e de religião, mas também espaço de “trocas, fertilização mútua e compartilhamento”. O islã tem sido um “trauma duradouro” para o Ocidente. Durante séculos veio identificado com o terror, a devastação e o demoníaco. Nos últimos tempos, com o episódio da derrubada das Torres Gêmeas, em setembro de 2001, esse temor se expandiu, criando um círculo vicioso de resistência e hostilidades contra os muçulmanos do mundo inteiro. A recente viagem do papa Bento XVI à Terra Santa, sinaliza uma mudança de perspectiva com respeito mesmo a certos posicionamentos que marcaram o início de seu pontificado, como o caso do discurso na Universidade Regensburg, em setembro de 2006. Essa viagem ocorre numa nova conjuntura, onde as relações com o islã tinham sido reaquecidas por importantes gestos de aproximação como a Mensagem Interconfessional de Amã, (2005) e a carta das 138 lideranças muçulmanas dirigida ao papa e outras lideranças religiosas mundiais. Também em âmbito do Vaticano, visualizava-se uma nova perspectiva geopolítica, com o retorno da autonomia do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, e a nomeção do cardeal Jean-Louis Tauran, em junho de 2007, para o cargo de presidente desse dicastério romano: um hábil diplomata profissional que poderia favorecer um novo rumo para a dinâmica de cooperação com o islã. Preparada com um particular cuidado, a viagem do papa mostrou-se dinâmica e supreendente para os que acompanham a conjuntura eclesiástica nos últimos 40 anos. Com respeito à delicada situação de relação da igreja católica com o islã, a atuação do papa foi de abertura inusitada. Diante do rei da Jordânia, Abdullah II, o papa fala de seu “profundo respeito pela comunidade muçulmana” e de sua esperança num novo incremento nas relações entre cristãos e muçulmanos. Um ponto comum entre as duas tradições foi muito incentivado: de vinculação entre o mandamento do amor a Deus e do amor fraterno. Na Cúpula da Rocha, um dos três lugares mais sagrados para os muçulmanos, o papa enaltece a “ecumene abraâmica”, que deve reunir as três grandes tradições monoteístas em favor da compaixão universal. Sublinha o desafio essencial do empenho em favor da superação da incompreensão que marcou o passado em vista de um projeto comum de afirmação de um mundo de fraternidade e justiça. Quanto ao diálogo inter-religioso, o papa fala sobre a importância da comunhão na diversidade. Em sua visita à Cisjordânia, em Belém, defende com ênfase o Estado palestino e presta solidariedade aos refugiados do campo de Aida. Lança criticas contundentes contra o imponente “muro do apartheid”, construído para isolar os refugiados, separando famílias e obstruindo a vida. O grande mote foi o da busca da paz, em todos os sentidos. O discurso de Barak Obama vai num sentido semelhante. Sua intenção era de selar “um novo começo entre os Estados Unidos e os muçulmanos em todo o mundo”. A perspectiva dialogal é clara: “É preciso que haja um esforço sustentado para ouvirmos uns aos outros; aprendermos uns com os outros; respeitarmos uns aos outros, e buscar um terreno comum”. O presidente americano reconhece o patrimônio de arte, humanismo e tolerância que marcam a trajetória do islã ao longo da história: “a cultura islâmica nos deu arcos majestosos e torres que se elevam ao céu; poesia atemporal e musica preciosa, caligrafia elegante e lugares de contemplação pacífica”. Em sua fala, rejeita o “espectro do choque de civilizações”, que se viu reforçado com os ataques de 11 de setembro, provocando uma problemática identificação entre islã e violência. Assim como Bento XVI, o presidente americano defendeu a criação de um Estado palestino e questionou os assentamentos israelenses, que estariam solapando os esforços em favor da paz. Tomou também a defesa dos refugiados palestinos, encerrados nos campos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, sofrendo “humilhações diárias”. Sinaliza em seu discurso que uma tal situação mostra-se “intolerável”. Rica também sua defesa da liberdade religiosa: “É esse espírito de que precisamos hoje. As pessoas em todos os paises devem ser livres para escolher e viver sua fé baseadas na persuasão de suas mentes, corações e almas. Essa tolerância é essencial para que a religião floresça”. São discursos convergentes num tempo marcado pelas afirmações identitárias agressivas e excludentes. Há muito o que refletir sobre tudo isso. Talvez seja um marco de sensibilidade alternativa que vem surgindo e que deve contagiar a todos com uma alegria e esperança singulares, na luta em favor da construção de um outro mundo possível. Há que ampliar essas fileiras. http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_Canal=66&cod_noticia=12652 |
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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
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