terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Entre fogos, escombros e consciência: um Ano Novo à prova de humanidade


O Ano muda no calendário. Os fogos riscam o céu, os abraços se repetem, os votos de “feliz ano novo” se multiplicam com facilidade. Mas basta o silêncio do dia seguinte para que a realidade volte a falar — e fale alto. Ela se manifesta no lixo espalhado pelas ruas das cidades, pelos campos abandonados, pelos mares sufocados e pelos rios transformados em esgoto. Um lixo que não nasce apenas da falta de educação ambiental, mas também da irresponsabilidade política, da omissão e da corrupção de muitos que, eleitos para cuidar do bem comum, administram o descaso e normalizam a sujeira — física, social e moral.
Esse lixo tem rosto, discurso e cargo. Está nas políticas públicas que não chegam, nos projetos engavetados, nos recursos desviados, nas cidades entregues ao abandono. É o lixo da negligência institucional que ensina, pelo exemplo, que tudo pode ser usado e jogado fora — inclusive a dignidade humana.
A realidade continua a gritar. Grita com o sangue derramado nos homicídios, nos latrocínios e nas múltiplas formas de violência que se tornaram rotina e estatística. Grita com os conflitos entre povos, com as guerras que insistem em provar que a humanidade, tantas vezes, desaprendeu a ser humana. Mas se há uma guerra que precisa ser travada com urgência, ela não é contra povos nem nações, e sim contra a fome que mata em silêncio, contra o desemprego que rouba a dignidade, contra a falta de moradia que empurra pessoas para fora da própria humanidade. Essa deveria ser a grande batalha comum, capaz de unir governos e sociedades, pois nenhuma bomba destrói mais do que um prato vazio, nenhuma arma fere tanto quanto a indiferença.
Há ainda uma miséria menos visível, mas igualmente devastadora. Ela habita as redes sociais, esse grande palco onde mentiras se sustentam sobre mentiras, onde a aparência define o valor e o poder de compra tenta substituir a essência. Pessoas mostram o que não são, defendem o que não vivem e se perdem em comparações vazias. Também aí, muitos políticos se aproveitam do ambiente tóxico, espalhando desinformação, manipulando medos e transformando a mentira em método de governo.
Por trás das telas e dos discursos, existem pessoas feridas. Homens e mulheres carregando frustrações antigas, decepções acumuladas, histórias marcadas por perdas e fracassos. Crianças, jovens e idosos sem rumo, sem direção, cujo existir parece reduzido à busca incessante pelo ter e pelo prazer, como se neles estivesse a felicidade plena. E assim, a cada dia vivido, o ser humano vai perdendo algo essencial: a HUMANIDADE que lhe é própria.
Diante desse cenário, é inevitável perguntar: ainda faz sentido celebrar a passagem do Ano? Ainda é honesto desejar “feliz ano novo” quando o mundo permanece sujo, violento e marcado pela mentira? Talvez a resposta não esteja em negar a miséria, mas em encará-la com lucidez e coragem. Reconhecer que chegamos a um limite perigoso — ambiental, social, político e espiritual —, mas não definitivo.
É preciso acreditar que, em algum momento, homens, mulheres, crianças, jovens e idosos possam ir se tornando verdadeiramente humanos. Que a Casa Comum volte a ser cuidada e não explorada; que o lixo — material, moral e político — seja removido da vida pública; que a violência seja extinta; que as mentiras nascidas no coração humano e amplificadas pelas redes encontrem seu fim.
Para isso, não bastam slogans, promessas eleitorais nem rituais de virada de Ano. É preciso renovar a ESPERANÇA. Uma esperança ativa, crítica e comprometida, que cobra, participa e transforma. Deixar a Luz do Céu entrar no coração e na vida, permitindo que ela dissipe a escuridão que alimenta o narcisismo, a corrupção e a indiferença.
Se o Ano Novo começar assim — menos fogos e mais consciência, menos promessas vazias e mais verdade, menos aparência e mais compromisso — talvez possamos, enfim, desejar uns aos outros, sem cinismo, que seja um Ano verdadeiramente novo. Não um Ano iniciado por superstições ingênuas, como a crença de começar “com o pé direito”, como se gestos mágicos pudessem substituir escolhas éticas. A sociedade não precisa de um pé só para seguir adiante; precisa começar com os dois pés firmes no chão da realidade, sustentados pela justiça, pela solidariedade, pela verdade e pela esperança ativa. Só assim poderemos caminhar, não tropeçando em ilusões, mas avançando juntos na reconstrução do humano que somos chamados a ser.

J. A. Galiani 

3 comentários:

  1. Parabéns, excelente artigo. Vou compartilhar nas redes sociais.

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  2. Parabéns, excelente artigo. Vou compartilhar nas redes sociais.

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  3. 👏👏👏Parabéns

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