sábado, 13 de março de 2010

Amigo é - Antropóloga explica os vários significados da amizade

Amigo é
Existem muitas maneiras de pensar e experimentar a amizade. Em meio a essa heterogeneidade de percepções, estão os mal-entendidos. As diferentes compreensões e conflitos em torno do assunto têm forte influência nos relacionamentos entre colegas, amigos, namorados, família, nas afinidades e nas separações. Entender o que é a amizade implica em encarar e aceitar tanto a empatia quanto a diversidade de idéias.

Por esses e outros motivos, os "significados da amizade" se tornaram objeto de estudo da tese de doutorado da antropóloga Claudia Barcellos Rezende, pela London School of Economics.

A idéia de estudar a amizade faz parte de uma vertente recente da antropologia, chamada de "antropologia das emoções", que tem como objetivo analisar as emoções sob ponto de vista pragmático. Ou seja, pensar, dentro de determinados contextos, no que se fala sobre os sentimentos e em como esses discursos criam efeitos sobre o cotidiano, os relacionamentos e as hierarquias sociais.

Normalmente, pensa-se o que é uma amizade quando se depara com algo próximo a ameaça de perdê-la, como atitudes inesperadas e indesejadas por parte dos amigos. Nessa hora, é preciso pensar o que se aceita e considera natural do ser humano e o que não se deve deixar passar. Por isso, Claudia afirma que os sentimentos e atitudes esperados de um amigo estão diretamente relacionados à idéia que se tem do que seja o ser humano, o que inclui nós mesmos e o outro.

"Porém, em geral, entendemos o ser humano a partir das nossas experiências e pontos-de-vista. Esquecemos que existem outras vivências. Esses mal-entendidos acabam por desembocar em tensões e conflitos dentro das amizades", diz a antropóloga, autora do livro "Os Significados da Amizade", pela Editora Fundação Getúlio Vargas.

Claudia exemplificou seu estudo com a pesquisa sobre as definições de amizade em dois grupos de jovens de classe média, entre 25 e 30 anos, um em Londres e outro no Rio de Janeiro. O estudo incluiu entrevistas formais e também acompanhamento no cotidiano, como em bares e festas. Apesar de concluir que os significados de amizade e de identidade individual variavam muito, ela separou e analisou algumas características comuns a cada um dos dois grupos.

O inglês nunca chama o colega de trabalho ou o conhecido de amigo. Só ganha o atributo aquele com quem ele sente que pode ser espontâneo e, ao mesmo tempo, ter espaço pessoal. "Na Inglaterra, eles são muito centrados e polidos no trabalho e no dia-a-dia. As emoções são escondidas e só reveladas para os amigos", explica. Já o brasileiro não faz menção à necessidade de privacidade nem é tão formal no ambiente de trabalho. "Ele se sente à vontade com os vários colegas, inclusive os de trabalho, a quem chama de amigos, mesmo sendo só conhecidos. Porém, no íntimo, sabe que amigos mesmo são poucos", esclarece Claudia.

Além de entenderem a amizade de forma diferente, os dois grupos também se diferenciaram sobre os valores mais importantes para o ser humano. Enquanto o grupo brasileiro mostrou que preza um ideal de doação incondicional, os ingleses se fixaram na idéia de autonomia individual. "Para o brasileiro, era importante saber se relacionar, enquanto o grupo inglês se centrou no respeito à privacidade", descobriu a pesquisadora.

Claudia diz que é bastante difícil compreender essas diferenças culturais para quem parte de um desses pontos-de-vista. "Quando expliquei o comportamento dos cariocas para os ingleses, alguns classificaram o tipo de amizade do grupo brasileiro como superficial".

Para ela, as concepções sobre como cada um se relaciona entre os semelhantes variam não só de acordo com cada cultura, mas também com a situação, o gênero, as origens, com o nível sócio-econômico, as crenças, entre outras. São tantas as variáveis que nem sempre temos consciência dos valores de humanidade que tomamos por referência. "Isso implica em conhecer as próprias origens e o próprio contexto e questionar os valores já apreendidos e fixados durante anos, o que é muito difícil", explica a pesquisadora. É mais comum o indivíduo tomar atitudes diferentes do que fala ou pensa. E mais raro ouvir o outro, buscar a origem dos próprios desejos e pensamentos e tentar adaptar a si próprio.

Contra esses mal-entendidos prováveis entre grupos e pessoas diferentes, a antropóloga recomenda, antes de tudo, a paciência e o interesse pelo outro. De preferência, que eles partam de ambos os lados do relacionamento. Com isso, o primeiro passo já foi dado para conversa e o entendimento.

http://www.maisde50.com.br/editoria_conteudo2.asp?conteudo_id=7726

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