sexta-feira, 30 de julho de 2010

Um outro jeito de ser Igreja

Um outro jeito de ser Igreja


Quem leu meu último artigo – Onde está a verdadeira crise da Igreja – poderá ter ficado desesperançado. Ai analisei a estrutura de poder da Igreja, centralizada, piramidal, absolutista e monárquica. Este tipo de poder não favorece o ideal evangélico de igualdade, de fraternidade e a participação dos fiéis. Antes fecha as portas à participação e ao amor. É que esse tipo de poder, por sua natureza, precisa ser forte e frio. O modelo de Igreja-poder se apresenta como a Igreja tout court, pior ainda, como querida por Cristo, quando, como mostrei, surgiu historicamente e é apenas sua instância de animação e direção, perfazendo menos de 0,1% de todos os fiéis. Portanto, não é toda a Igreja, apenas uma parte mínima dela.

Mas a Igreja-comunidade como fenômeno religioso e movimento de Jesus é muito mais que a instituição. Ela encontra outras formas de organização, bem mais próximas ao sonho do Fundador e de seus primeiros seguidores. Inteligentemente, os bispos brasileiros em sua reunião anual em Brasilia de 4-13 de janeiro do corrente ano confessaram: “só uma Igreja com diferentes jeitos de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea”. Com isso eles quebraram a pretensão de um único modo de ser, aquele da Tradição do poder. Sem negar este, há muitos outros jeitos: o jeito da Igreja da libertação, dos carismáticos, dos religiosos e religiosas, da ação católica, até da Opus Dei, da Comunhão e Libertação e da Canção Nova, só para dizer as mais conhecidas.

Mas há um jeito que é todo especial e altamente promissor, nascido nos anos 50 do século passado no Brasil e que ganhou relevância mundial, pois foi assimilado em muitos paises: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Os bispos lhe dedicaram uma animadora “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”. Curiosamente, elas surgiram no momento em que eclodiu no Brasil uma nova consciência histórica. Na sociedade: o sujeito popular ansiando por mais participação política e na Igreja: o sujeito eclesial, ansiando tambem por mais participação e corresponsabilidade eclesial. As CEBs constituem um outro modo de ser Igreja, cujo sujeito principal, mas não exclusivo, são os pobres. Seu estilo é comunitário, participativo e inserido na cultura local. Os serviços são rotativos e a escolha, democrática. Artculam continuamente fé e vida, ativos no campo religioso, criando novos serviços e ritos e ativos no campo social ou político, nos sindicatos, nos movimentos sociais como no MST ou nos partidos populares.

Não sabemos exatamente quantas são, mas calcula-se que cheguem a cem mil comunidades de base, envolvendo alguns milhões de cristãos. Os bispos constatam seu alto valor inovador e anti-sistêmico. O mercado expulsou as relações de cooperação e solidariedade enquanto nas CEBs se vive as relações fundadas na gratuidade, na lógica do oferecer-receber-retribuir. Elas assumiram a causa ecológica, por isso, se entendem também como CEBs = comunidades ecológicas de base. Desenvolveram uma forte espiritualidade do cuidado para com a vida e para com a Mãe Terra. Dai resultou mais respeito, veneração e cooperação com tudo o que existe e vive.

As CEBs mostram como a memória sagrada de Jesus pode receber outra configuração social, centrada na comunhão, no amor fraterno e na alegria de testemunhar a vitória da vida contra as opressões. É o significado existencial da ressurreição de Jesus como insurreição contra o tipo de mundo vigente.

Humildemente os bispos testemunham que elas ajudam a Igreja a estar mais comprometida com a vida e com o sofrimento dos pobres. Mais ainda: interpelam a Igreja inteira chamando-a à conversão, ao compromisso para a transformação do mundo em mundo de irmãos e irmãs.

Esse modo de ser Igreja pode servir de modelo para a inserção na cultura contemporânea, urbana e globalizada. Se fosse assumido como inspiração para o projeto do Papa Bento XVI de “reconquistar” a Europa, seguramente teria algum sucesso. Ver-se-iam comunidades de cristãos, intelectuais, operários, mulheres, jovens, vivendo sua fé em articulação com os desafios de suas situações. Não pretenderiam ter o monopólio da verdade e do caminho certo. Mas se associariam a todos os que buscam seriamente uma nova linguagem religiosa e um novo horizonte de esperança para a Humanidade.
 Leonardo Boff é autor de Eclesiogênese: a reinvenção da Igreja, Record (2008).

http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=15406&cod_canal=85

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