sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DE FRANCISCO DE ASSIS

ITF – INSTITUTO TEOLÓGICO FRANCISCANO
JOÃO FRANCISCO DA SILVA (Frei autor do texto)


A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DE FRANCISCO DE ASSIS

Trabalho apresentado à Disciplina de Teologia da Escola Franciscana, do curso de Teologia da Faculdade de Teologia do Instituto Teológico Franciscano.  Orientador: Prof. Frei Celso Márcio Teixeira. PETRÓPOLIS JUNHO 2010

Francisco viveu numa época em que era difícil o acesso à Sagrada Escritura, devido ao alto custo dos manuscritos, e, porque, a maioria do povo era iletrada ou não conhecia o latim, em cuja língua os textos sagrados eram escritos. Somente uma determinada classe social possuía acesso a estes textos, porque preenchia tais requisitos. Embora Francisco não pertencesse a esse grupo privilegiado, ele tinha grande domínio e conhecimento da Palavra e, por ela, cultivava respeito e carinho.

A Palavra marcara a vida de Francisco do início ao fim. No início, quando ouviu a proclamação do Evangelho referente ao envio dos discípulos com o mandato: “Ide ao mundo e anunciai a Boa Nova a todas as gentes [...]” (Mt 10,5ss). Depois, Francisco pediu ao padre que lhe explicasse esse Evangelho (1Cel 22). Nesse momento, ele obteve a resposta desejada para sua missão e a definição de seu projeto de vida. Também, no final de sua vida, a Palavra o acompanhara, quando “mandou que trouxessem o livro dos Evangelhos e pediu que lessem o Evangelho de São João” (1Cel 110).

Muito sensato Francisco, porque a Palavra que lhe nutriu espiritualmente em toda sua vida, fortaleceu-o neste momento limite da vida, quando estava prestes a encontrar-se com a irmã morte. Ele quis deixar o mundo absorto pelos conteúdos dessa mesma Palavra, que lhe impulsionara para a casa do Pai Celeste.

Francisco tinha um objetivo muito claro, que era levar os homens a Deus e levar Deus aos homens, através da Boa Notícia do Evangelho. O mundo estava numa efervescência e a mensagem evangélica devia acompanhar os passos dessa transformação, que trazia a ânsia por um mundo melhor e mais igualitário. Somente pelo caminho do Evangelho e da pobreza seria possível construir a comunhão fraterna.

Nesse sentido, Francisco cresce na compreensão da Palavra, sobretudo porque meditava tudo o que ouvia. E nesse particular era muito fiel. São muitos os relatos que comprovam essa atitude de Francisco, como o que segue: “É bom ler os testemunhos das Escrituras, é bom procurar nelas Deus, nosso Senhor, mas eu já aprendi tantas coisas na Bíblia que para mim é mais do que suficiente meditar e recordar” (2Cel 105). Isso lhe permite estar em contato permanente com essa Palavra, que constantemente ele saboreava quando lhe aprazia o coração.

É interessante a estratégia pedagógica que Francisco utiliza: ele memoriza o texto para tê-lo “em mãos”, e meditá-lo quando possível no cotidiano da vida. Estratégia bastante ousada, já que ele não possuía muito estudo, mas que correspondia muito bem aos desafios da vida, iluminado por essa Palavra, que cultivava em seu coração. Francisco não estudou, mas viveu com simplicidade e nobreza de coração os ensinamentos da Palavra. Por isso, conservava um encantamento pela Sagrada Escritura, que os grandes estudiosos e místicos da época não o faziam.

Para constatar, basta perceber as diversas citações que aparecem em seus escritos. Elas são diversas e bem situadas na temática que as envolve. Torna-se patente que Francisco quer adornar seus escritos com a Palavra e, ao mesmo tempo, esta traz uma conotação de seriedade.

É de admirar esse fascínio de Francisco em relação à Sagrada Escritura, como atesta São Boaventura: “Não admira, pois que o santo tenha recebido de Deus a compreensão das Escrituras, já que, pela perfeita imitação de Cristo, trazia impressa em suas obras a verdade delas e, pela plena unção do Espírito Santo, possuía em seu coração o Mestre das sagradas letras” (LM 11,2).

A sintonia de Francisco com Cristo se dá a partir da frequente escuta da Palavra, que logo colocava em prática, porque ela traz um conhecimento sempre atual e dinâmico para a vida. Portanto, a escuta da Palavra, para Francisco, não era simplesmente o pronunciar de palavras, mas o encontro com o próprio Cristo que lhe falava. Ali, na escuta da Palavra, ele encontra a força necessária para sua trajetória espiritual.

Francisco compreendia que as palavras da Sagrada Escritura tornam presente o Cristo, como presença real, assim como se dá nas espécies eucarísticas. Para ele, a Palavra Sagrada e o Pão Sagrado são prolongamento da encarnação de Cristo, pois Deus se revela na Palavra e na Eucaristia como afirma a fé cristã. Assim, Francisco expressa sua profunda veneração pela Palavra:



Admoesto e exorto a todos os meus irmãos a que, onde encontrarem as palavras divinas escritas, de maneira como puderem, venerem-nas e, no que lhes compete se elas não estiverem bem colocadas ou se em algum lugar estiverem dispersas sem devida honra, recolham-nas e guardem-nas, honrando o Senhor nas palavras que ele falou (7Ct 35-36).



Essa predileção e respeito de Francisco pela Sagrada Escritura demonstram sua profunda fé na Palavra, da qual ele atentamente escutava e a partir da qual engendrou profundas mudanças em sua vida. É por isso que seu apelo ressoa forte e vigoroso na Igreja, e sua mensagem permanece sempre atual e contagiante.

Assim sendo, ele nos ensina que é fundamental criar laços com a Sagrada Escritura, porque é dela que emana a força de nossa existência. Na medida em que meditamos seus ensinamentos, mais nos aproximamos do ideal de vida proposto por Francisco, que se sentiu provocado por essa Palavra e logo conformou sua vida no ritmo de Deus.

É preciso encontrar espaço em nossa vida para a escuta da Palavra de Deus, e cultivar, como Francisco, a paixão por essa Palavra, que nos possibilita uma nova compreensão da humanidade como obra do Criador, pois, na medida em que dela nos aproximamos, tornamo-la viva.

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