sábado, 26 de junho de 2010

Francisco, então, Jesus Cristo, a quem quisera seguir, é a manifestação do amor de Deus pelo qual ele nutria um amor incondicional. E seu sonho é atrair o mundo inteiro para este amor. mostra que Deus é o Deus dos pobres...misericordioso, pronto para perdoar... fascina Francisco e o atrai vida pautada na pobreza, renúncia e cruz... contemplar a dimensão divina de Cristo ... é a expressão máxima do amor de Deus feito Homem.

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ITF – INSTITUTO TEOLÓGICO FRANCISCANO

FREI JOÃO FRANCISCO DA SILVA,OFM


O CRISTO DE FRANCISCO DE ASSIS
PETRÓPOLIS / JUNHO 2010

Hodiernamente, percebe-se uma efervescência na busca pelo sentido da religião, em que esta é moldada de acordo com as convicções e aspirações individuais, importando-se apenas com a satisfação pessoal, e não manifestando qualquer devoção ou preocupação com o sentido de pertença a uma fé. Nessas manifestações de fé, Jesus Cristo praticamente não tem espaço, importando a saciedade momentânea e a realização dos desejos individuais; vivendo-se voltados para outros interesses e valores que impedem de ver Deus como Criador de todas as coisas. Porém, Cristo veio e vem libertar a humanidade de toda forma de opressão.

Nesse sentido, Francisco tem muito a contribuir para uma manifestação de fé mais concreta, que se traduz no empenho cotidiano de santificação da própria vida na imitação de Cristo, pois ele mesmo procurou dedicar sua vida a Cristo com amor desmedido: “O homem de Deus tinha pela cruz do Senhor um amor apaixonado, quer em público, quer em particular” (3C 2,2). Francisco não apreendeu Cristo intelectualmente, mas através de uma experiência cotidiana, com o Cristo real da fé cristã e, desse modo, aceita-o todo, na íntegra. Ele não privilegia este ou aquele momento do evento salvífico de Cristo, mas os valoriza todos, subtraindo deles inspirações e motivações para a fé e o seguimento. “Talvez não haja uma idéia ou consideração de Cristo que tanto se aproxime da totalidade e integridade do real, quanto a de São Francisco” (KOSER, 1998, p. 35).

Francisco viveu uma profunda e intensa experiência de vida devotada a Cristo, cuja intenção original é a vivência do Evangelho com radicalidade, mas sempre em consonância com a tradição e a hierarquia da Igreja. Ele parte de um convite à penitência recebido como dom do próprio Deus, como início de uma caminhada para valores positivos.

Todos os aspectos da vida de Cristo Francisco abrange, pois contempla-os a partir de seus talentos pessoais, sobretudo de cavaleirismo universal e cortês, a sua jovialidade e cordialidade manifestadas na alegria de viver, fazendo dele o imitador de Cristo em tudo. Isso se deve pelo fato de Francisco aproximar-se de Cristo de modo afetuoso: apaixonado a ponto de emocionar-se em Greccio.

Não é sem razão que os estudiosos o consideram como o expoente de uma devoção iniciada na Idade Média que privilegia o aspecto humano de Cristo. Ainda nesse período, havia resquícios de uma piedade centrada no Cristo Glorioso, nas alturas e longe do contato humano, em que se acentuava a divindade. Francisco corajosamente apresenta “um Cristo mais próximo dos corações, sem quebra de sua transcendental sublimidade” (KOSER, 1998, p. 36).

E na piedade inaugurada por Francisco não há qualquer diminuição de Cristo, ao invés disso, venera-se o Cristo por inteiro, valorizando, inclusive, todos os aspectos de sua santidade, natureza e pessoa divina. Há que se considerar que o Cristo “humanado”, pobre e despojado o despertou para comungar da miséria e do sofrimento dos menos favorecido.

Os biógrafos descrevem Francisco como o homem marcado pela cruz: a começar pelo coração (internamente), passando pelo corpo, através dos estigmas (externo), transferindo, depois, essa dimensão da cruz para outras situações da vida (hábito, tau...), acentuando o aspecto positivo presente na cruz.

Vivendo no tempo das cruzadas, manteve uma relação com Cristo no modo do cavaleiro cortês, fiel e dedicado ao seu Senhor. Não se deixou iludir pelas fantasias surgidas nas cruzadas, mas viu nelas a possibilidade da conversão e da missão, a fim de conquistar almas para seu Senhor, além de ganhar para os cristãos os Santos Lugares da Palestina. Seu coração de cavaleiro pulsa pela causa de Cristo, por isso sonha com a recuperação dos lugares por onde seu Senhor havia passado; inquietava-se em saber que esses “Lugares Santos” estavam em mãos ímpias e profanados, e que seria possível reconquistá-los.

Francisco apegou-se, sobretudo, ao Cristo crucificado; aspecto pelo qual nutria verdadeiro amor e comiseração. Dois episódios marcam essa sua predileção: no início de sua conversão, ao deparar-se com o crucifixo, em São Damião, e a impressão das chagas, auge de sua mística e que finaliza sua presença na terra. Esses dois episódios revelam de fato que o Cristo crucificado é o centro de sua vida e a possibilidade de levar a perfeição cristã. São Boaventura sintetiza os vários encontros da vida de Francisco com a cruz (LM13), destacando o maior de todos, no Monte Alverne, quando recebe os estigmas e é assinalado no corpo e no espírito com a cruz, transformando-se em um novo homem.

O mistério da cruz de Cristo impressiona Francisco, fazendo-o apegar-se sobremaneira a essa dimensão cristológica, que redime os pecados dos homens e leva à salvação. Neste sentido, a hagiografia relata que era comum a Francisco avistar uma cruz que logo caia em prantos; quando interpelado dizia: choro as dores e amarguras de meu Senhor. “Ele mesmo tinha o costume e o prescrevera a seus irmãos de prestar a qualquer imagem da cruz que eles percebessem as honras e o respeito que lhes são devidos” (3C 2,3).

Esse relato revela o quanto Francisco se compadeceu e com serenidade valorizou a crucificação de Cristo e, por isso, via na Cruz e na Paixão de Cristo motivações para suportar com paciência e alegria suas enfermidades. O Cântico das Criaturas mostra o modo pelo qual ele coloca na cruz toda a sua glória, pois tal cântico ganha destaque em meio a um momento de dor e sofrimento.

Além da fragilidade física, Francisco experimenta também o abandono, parecido com o experimentado por Cristo na Cruz, sendo que até os ratos lhe roubavam o sossego (cf. 3C 100). Mesmo diante de tanto sofrimento e abandono, não murmurou, rogou por refrigério, e antes rendeu graças por ainda poder sofrer (LM 10,2). Passou dois anos de sua vida mergulhados em dores e desolações espirituais e físicas, suportando tudo pelo amor a Cristo e a Deus.

Admirava, entre todos os mistérios da vida de Cristo, o amor pela pobreza e nisso procurava imita-lo, abraçando a mesma pobreza por amor ao Senhor; na condição de cavaleiro do seu Senhor, tomou-a como sua Esposa. Durante toda sua vida procurou ser tão pobre quanto Cristo o tinha sido; e isso dava mais alento a sua vida. Em Greccio, sensibilizou-se com a condição paupérrima com que o Senhor veio ao mundo. Amou a pobreza com vivacidade e entusiasmo como nunca um cavaleiro amou sua dama. Este compromisso para com a santa pobreza era tão grande que se julgava infiel a Cristo quando encontrava pelas estradas alguém mais pobre do que ele (Sp 30).

Ao fazer sua opção pela pobreza e vida pobre, Francisco opõe-se, aos abusos da riqueza, que geravam, naquela época, dominação e injustiças. Percebe que nos relacionamentos humanos há muita desigualdade e um abismo entre pobres e ricos ocasionando mais miséria e infelicidade. Foi no Cristo Crucificado de São Damião, sofredor e despojado que viu a miséria dos homens e seus sofrimentos.

É justamente essa dimensão humana de Cristo que o mobiliza e o fascina, fazendo-o decidir ser pobre entre os pobres. Primeiro encontra-se com o Cristo pobre para, depois, encontrar-se com os pobres, porque o Cristo pobre foi desde o início a fonte que irradiará seu projeto de vida pobre.

O episódio do beijo no leproso (2C 9) foi, sem dúvidas, o sinal concreto de valorização do pobre e de encontro com o Cristo Pobre. Este fato evidencia o quanto Francisco quer ser livre para melhor servir o Senhor na pessoa dos mais necessitados. Seu modo de vida despojado encontra sentido em sua sensibilidade em descobrir a face do Cristo Sofredor no contexto histórico em que estava mergulhado: vê, no Cristo Pobre e Crucificado, o servo perfeito que aceita viver, sofrer e morrer para nos salvar. Portanto, Cristo é o mediador entre Deus e a humanidade.

Inspirado no Evangelho, pauta toda sua vida na pobreza, desprendimento e renúncia, tornando-se “Arauto do Grande Rei” (1C 16), a fim de melhor seguir e servir Cristo. Entende que o apelo de Cristo é reconstruir a pessoa humana como um todo, respeitando a imagem de Deus presente no humano. Por isso, seus lábios cantavam constantemente os louvores, a honra e a glória do Grande Rei e Senhor. Com a mais profunda devoção adorava seu Rei e Senhor. “Em toda parte, em todo lugar, a toda hora e tempo, diária e continuamente [...] louvemos e bendigamos [...] rendamos graças ao Altíssimo e Sumo Deus Eterno” (1Rg 23, 32).

A Eucaristia transformou-se, para Francisco, no maná que nutre e revigora; e ali buscava força, vitalidade e vigor para a dimensão espiritual, fraterna e vivencial de sua fé. O amor pela Eucaristia integra seu processo de conversão (cf. Test 4), por isso enaltece a figura do sacerdote, porque vê neles o Filho de Deus (cf. Test 8-9).

Essa presença real do Cristo na Eucaristia segundo Francisco, norteia a existência humana. Assim ele professa: “nada temos nem vemos corporalmente dele, do próprio Altíssimo, neste mundo, senão seu Santíssimo Corpo e Sangue” (2Ct 3).

Francisco faz um paralelo entre o Cristo da Eucaristia e o Cristo que se encarnou; este mesmo Cristo assume a fragilidade humana e também vem ao encontro da humanidade na forma do pão e do vinho. A Eucaristia é para Francisco o elo de reconciliação e pacificação para uma nova vida em Cristo. Francisco deixou-se envolver por esse mistério de amor, fazendo da Eucaristia a força que o conduz em seu peregrinar. Onde quer que encontrasse o Cristo Eucarístico, reverenciava-o com devoção profunda. Orientou os frades para que sempre respeitem o nome de Cristo, inclusive que recolham os papéis que encontrassem escrito o nome do Senhor e que o depositassem em lugar digno.

Francisco se inquietava pela bondade e amor de tão Grande Senhor, classificando seu comportamento como ingrato diante de tamanha generosidade. Por isso, procurava cada vez mais ousar em seus empreendimentos e cultivar virtudes sempre mais perfeitas como resposta a esse amor sempre ardente de Cristo pela humanidade.

Para Francisco, então, Jesus Cristo, a quem quisera seguir, é a manifestação do amor de Deus pelo qual ele nutria um amor incondicional. E seu sonho é atrair o mundo inteiro para este amor. Por isso, mostra que Deus é o Deus dos pobres, sendo, assim, misericordioso, pronto para perdoar as fraquezas humanas e atento ao coração devoto dos fiéis. Enfim, é a dimensão humana de Cristo que fascina Francisco e o atrai para a forma de vida pautada na pobreza, renúncia e cruz. Isso tudo sem deixar de contemplar a dimensão divina de Cristo, de que Ele é a expressão máxima do amor de Deus feito Homem. 2Ct 3

REFERÊNCIAS

ABATI, A. Francisco um encanto de vida. Petrópolis: Vozes, 2003.


FONTES FRANCISCANAS. Petrópolis: Vozes, 2000.


KOSER. C. O pensamento Franciscano. Petrópolis: Vozes, 1999.


MERINO, J. A.; FRESNEDA, F.M. Manual de Teologia Franciscana. Petrópolis: Vozes/ FFB, 2005.


ROTZETTER, A. Com Deus nos dias de hoje: Curso básico de vida franciscana. Petrópolis: Vozes/ FFB, 2003.

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