O pensamento racionalista que divide,
subdivide, agrupa, reagrupa, fragmenta, ausculta, analisa, pesa, mede e avalia
oferece uma educação em migalhas, “migalhas de pão espremidas e enroladas”
(FREINET, 1998, p. 31) e na mesma obra citada, a pedagogia humana aqui defendida,
Freinet, o pedagogo do bom senso, sobrenaturalmente profetiza:
“Migalhas de leituras, caídas de uma obra
que ignoramos e que tem gosto de pão que ficou ressecando nas gavetas e nos
sacos.
Migalhas de história, umas bolorentas,
outras mal cozidas, e cujo amálgama é um problema insolúvel.
Migalhas de matemática e migalhas de
ciências, como peças de máquinas, sinais e números que uma explosão tivesse
dispersado e que nos esforçamos para montar, como um quebra-cabeça.
Migalhas de moral, como gavetas que
mudamos de lugar, no complexo de uma vida de infinitas combinações.
Migalhas de arte [...]
Migalhas de aula, migalhas de horas de
trabalho, migalhas de pátio de recreio [...]
Migalhas de homens!” (op. cit., p. 31)
Assim como a história da Educação no Brasil, as
práticas pedagógicas nos diferentes tempos foram fragmentadas e reproduziram os
interesses políticos dos governantes. Estes assumiram o controle do ato de
educar, fizeram, pois da educação um instrumento de manipulação a partir dos
interesses próprios em vistas dos próximos pleitos eleitorais, ou pior, em
vista de interesses militares e antidemocráticos, como no período Governamental
Militar vivido no Brasil. Frente a esses desmandos e a fragmentação da educação
há que se perguntar:
“[...] se essa ‘ciência da escada’, compartimentos obscuros do
saber, do sentir e do sonhar, degrau por degrau, com o mesmo ritmo e a mesma
distância niveladora de toda individualidade, não seria uma falsa ciência e
se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por
saltos e longas passadas. Se não haveria, segundo a imagem de Vitor Hugo, uma
pedagogia das águias que não sobem pelas escadas” (ibidem, ibidem, grifo do autor).
Por longos séculos, a educação esteve engessada
e engessou gerações que hoje mergulhadas num mundo globalizado não compreendem
o que acontece, um mundo capaz de fazer que todos os saberes penetrem em todos
os lugares e um mundo onde a lógica do consumo destrói a cultura. Na era da
comunicação, a palavra permanece, mas esvaziada de qualquer idéia de formação,
de abertura para o mundo e de cuidado da alma “[...] Já não se trata de
transformar os homens em sujeitos autônomos, mas de satisfazer seus desejos
imediatos, de diverti-los ao menor preço possível” (FINKIELKRAU, 1988 p. 128).
No livro O
valor de educar, temos o que poderia encerrar essa reflexão sobre a herança
histórica da educação no Brasil, herança de uma proposta que tira o
protagonismo do homem, tornando-o um sujeito passivo frente ao mundo que o cerca
e, sobretudo, fazendo da educação um instrumento de manipulação em favor de uma
minoria mandante na sociedade em detrimento do coletivo. O autor SAVATER
citando Russel e Foucault exprime o que significou uma educação centrada no
dualismo medieval, no racionalismo e positivismo “Há mais de seis décadas
Bertrand Russel advertiu que ‘tem sido costume da educação favorecer o Estado,
a própria religião, o sexo masculino e os ricos’. E recentemente Michel de
Foucault mostrou as engrenagens segundo as quais todo saber e também sua
transmissão estabelecida mantêm uma vinculação com o poder, ou melhor, com os
vários poderes difundidos que atuam normalizadora e disciplinarmente no campo
social” (SAVATER, 1988, p. 64).
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