domingo, 3 de março de 2013

PEDAGOGIA HUMANISTA - Parte IV


O pensamento racionalista que divide, subdivide, agrupa, reagrupa, fragmenta, ausculta, analisa, pesa, mede e avalia oferece uma educação em migalhas, “migalhas de pão espremidas e enroladas” (FREINET, 1998, p. 31) e na mesma obra citada, a pedagogia humana aqui defendida, Freinet, o pedagogo do bom senso, sobrenaturalmente profetiza:

“Migalhas de leituras, caídas de uma obra que ignoramos e que tem gosto de pão que ficou ressecando nas gavetas e nos sacos.
Migalhas de história, umas bolorentas, outras mal cozidas, e cujo amálgama é um problema insolúvel.
Migalhas de matemática e migalhas de ciências, como peças de máquinas, sinais e números que uma explosão tivesse dispersado e que nos esforçamos para montar, como um quebra-cabeça.
Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar, no complexo de uma vida de infinitas combinações.
Migalhas de arte [...]
Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, migalhas de pátio de recreio [...]
Migalhas de homens!” (op. cit., p. 31)

Assim como a história da Educação no Brasil, as práticas pedagógicas nos diferentes tempos foram fragmentadas e reproduziram os interesses políticos dos governantes. Estes assumiram o controle do ato de educar, fizeram, pois da educação um instrumento de manipulação a partir dos interesses próprios em vistas dos próximos pleitos eleitorais, ou pior, em vista de interesses militares e antidemocráticos, como no período Governamental Militar vivido no Brasil. Frente a esses desmandos e a fragmentação da educação há que se perguntar:

“[...] se essa ‘ciência da escada’, compartimentos obscuros do saber, do sentir e do sonhar, degrau por degrau, com o mesmo ritmo e a mesma distância niveladora de toda individualidade, não seria uma falsa ciência e se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e longas passadas. Se não haveria, segundo a imagem de Vitor Hugo, uma pedagogia das águias que não sobem pelas escadas” (ibidem, ibidem, grifo do autor).

Por longos séculos, a educação esteve engessada e engessou gerações que hoje mergulhadas num mundo globalizado não compreendem o que acontece, um mundo capaz de fazer que todos os saberes penetrem em todos os lugares e um mundo onde a lógica do consumo destrói a cultura. Na era da comunicação, a palavra permanece, mas esvaziada de qualquer idéia de formação, de abertura para o mundo e de cuidado da alma “[...] Já não se trata de transformar os homens em sujeitos autônomos, mas de satisfazer seus desejos imediatos, de diverti-los ao menor preço possível” (FINKIELKRAU, 1988 p. 128).

No livro O valor de educar, temos o que poderia encerrar essa reflexão sobre a herança histórica da educação no Brasil, herança de uma proposta que tira o protagonismo do homem, tornando-o um sujeito passivo frente ao mundo que o cerca e, sobretudo, fazendo da educação um instrumento de manipulação em favor de uma minoria mandante na sociedade em detrimento do coletivo. O autor SAVATER citando Russel e Foucault exprime o que significou uma educação centrada no dualismo medieval, no racionalismo e positivismo “Há mais de seis décadas Bertrand Russel advertiu que ‘tem sido costume da educação favorecer o Estado, a própria religião, o sexo masculino e os ricos’. E recentemente Michel de Foucault mostrou as engrenagens segundo as quais todo saber e também sua transmissão estabelecida mantêm uma vinculação com o poder, ou melhor, com os vários poderes difundidos que atuam normalizadora e disciplinarmente no campo social” (SAVATER, 1988, p. 64).

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