O século XXI desabrocha no contexto em que as coisas
se destroem, a anarquia pura anda à solta pelo mundo, espalha-se a maré de tons
sanguinolentos, e por toda parte a cerimônia da inocência se afoga, os melhores
carecem de toda convicção, enquanto os piores estão cheios de apaixonante
intensidade. Frente a esse quadro da humanidade perguntamos: o que fazer?
Recorrendo ao grande educador brasileiro Paulo
Freire (1996 p. 126-127), temos: “Se a educação não é a chave das
transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia
dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a
serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a
perpetuação do ‘status quo’ porque o dominante decrete. O educador e a
educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do
seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é
possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa
político-pedagógico”.
Podemos afirmar então, que a tarefa político-pedagógico
do educador/educadora de Freire é em Freinet (1989, p. 280) a capacidade “para
continuar na escuta misteriosa da vida” ou seja, respeitar o intuitivo do
aluno. “Este sentido intuitivo não tem senão um inconveniente para os
demagogos, o de não ser mensurável com o padrão material, indigente e falso da
escola”.
Esse sentido intuitivo que nos conecta à escuta
misteriosa da vida é também o que nos impulsiona a acreditar numa proposta
educativa humana que desperte o ser humano que
todos temos dentro de nós. Trata-se, afinal, de aprender a viver como
seres humanos, de aprender a amar e ser livres, de despertar uma nova
consciência encaminhada para a transformação de uma sociedade humana e
racional, na qual os homens sejam capazes de determinar livremente qual é o
sentido de suas vidas, como querem viver.
A superação de uma educação produtivista e
utilitarista, do homem maquinizado encontra uma ruptura na percepção
globalizante de Freinet (1985 p.104) sobre a educação e a totalidade do ser humano,
quando afirma “ [...] As crianças têm necessidade de pão, do pão do corpo e do
pão do espírito, mas necessitam ainda mais do seu olhar, da sua voz, do seu
pensamento e da sua promessa. Precisam
sentir que encontraram, em você e na sua escola, a ressonância de falar com
alguém que as escute, de escrever a alguém que as leia ou as compreenda, de
produzir alguma cosia de útil e belo que é a expressão de tudo o que trazem
nelas de generoso e de superior”. Com isso a pedagogia freinetiana transformou
as dificuldades em desafios e criou um novo cenário que potencializou os alunos
para a auto-aprendizagem. O diferencial de Freinet foi valorizar a função do
meio de forma a abrir os canais de comunicação através da socialização dos
produtos da aprendizagem transformando o aluno em comunicador permitindo, assim
ao aluno, a descoberta da projeção social de sua palavra quando comunicada.
A proposta de uma pedagogia humanista é entre
tantas visões uma prática social de educar e é por ela que estamos caminhando.
Há, pois nessa perspectiva, novos relacionamentos ou modos mais consistentes de
nos relacionarmos com as pessoas e com o mundo. A pedagogia de Freinet
representa um modo peculiar de ver e de realizar a prática educativa na escola,
contraposta à “pedagogia tradicional”. Diferentes visões decorrem da leitura
dessa teoria, numa perspectiva liberal, a pedagogia de Freinet, enfatiza o
desenvolvimento da liberdade e da criatividade pessoal. Na perspectiva marxista
reforçaria a dimensão do trabalho como princípio educativo. Nessa monografia o
enfoque é o caráter revolucionário da proposta pedagógica de Freinet, que
chamamos de Pedagogia Humana, no sentido já descrito de uma educação que
interfira na vida pessoal e, em conseqüência, no espaço de vida desse aluno.
Uma educação humana em Freinet é desenvolver
plenamente no aluno o potencial que possui, aprimorando suas características,
tendo como concepção o bem estar e a dignidade do aluno como ser humano. A
trajetória de vida de Célestin Freinet, como já vimos nos capítulos anteriores,
testemunha essa dimensão: seu envolvimento político e as perseguições sofridas
desencadearam, por exemplo, a criação de cooperativas por onde ensinava a
solidariedade dentro da escola. Experiência coroada como uma educação
democrática, onde todos tinham voz para opinar, construía-se assim o
significado de justiça e, acima de tudo, ensinava os alunos a serem mais
humanos. Com essa postura ganha crédito e amplia seus horizontes, através de
uma educação preocupada em aperfeiçoar e desenvolver as potencialidades de cada
um, como um ser livre e crítico apropriando-se da sua vida humana por completo,
assimilando a cultura em que vive e a cidadania.
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